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Terramoto, tsunami, revolução, colapso: de tudo se ouviu um pouco quando começaram a ser conhecidos os resultados das eleições indianas. Na verdade, se podia esperar-se uma alternância de poder, ninguém terá suposto, até à contagem dos escrutínios (nem o vencedor), que o povo indiano pudesse ter mudado de modo tão decidido e radical.
Da Índia, a maioria pouco sabe, a não ser três ou quatro ideias, vulgata do homem comum razoavelmente esclarecido. Sabe-se que é gigantesca, com uma dimensão continental ou subcontinental, que a sua população é enorme e dentro de alguns anos ultrapassará a da China e que a sua economia, já o sendo, vai tornar-se ainda mais influente num plano global nas próximas décadas. Também não se desconhece a sua história muito rica e conturbada, o seu sistema de castas, tão formalmente invisível como substancialmente presente. E, finalmente, vários são capazes de identificar Gandhi. A partir deste ponto, a maioria declara não saber e, às vezes, não querer saber e até ter raiva de quem sabe.
Poderei estar enganado, mas da Índia se falará doravante muito mais.
O Partido do Congresso, que quase por direito "superior" encarnou o sistema político praticamente desde a independência do país, foi varrido pelos eleitores, ao ponto de agora se discutir se, além da derrota que sofreu, não ficou até incapacitado para representar uma verdadeira oposição. Mas isso não é culpa do vencedor, com certeza, que, se foi tido e achado na vitória pelo que fez para convencer a grande maioria dos bem mais de 500 milhões que foram votar, não pode ser agora responsabilizado pelo desastre eleitoral daqueles que até aqui detinham as rédeas do poder.
Narendra Modi é o vencedor, e a segunda razão pela qual a Índia vai ter mais protagonismo e visibilidade.
Nascido em 1950, filho de um vendedor (modesto) de chá, Narendra Modi chega ao poder de forma quase anunciada. A edição asiática da revista "Time" ainda há pouco tempo lhe deu honras de capa e o considerou uma das 100 pessoas mais influentes do Mundo.
Verdadeiramente, porém, Modi deve ter percebido que a sua hora tinha chegado quando deixou de ser persona non grata para os Estados Unidos e para o Reino Unido. Dirigente máximo do Estado do Gujarate desde 2001, ferrenho nacionalista hindu, foi acusado de, em 2002, pouco ou nada ter feito para impedir motins antimuçulmanos que causaram a morte a quase 2000 pessoas. Terá por isso, no mínimo (dizia-se) pecado por omissão, embora três investigações sucessivas contra si dirigidas tenham dado em nada.
Pois bem, em política o tempo parece que apaga tudo ou quase tudo. Em 2012, a embaixadora dos Estados Unidos na Índia, Nancy Powell, encontrou-se com Modi para com ele discutir, entre outros tópicos, as relações de investimento entre o seu país e a Índia. E o Reino Unido convidou logo a seguir Narendra Modi para discursar no Parlamento britânico. Tudo está bem quando acaba bem: porque, como logo se disse, não podia ignorar-se o facto de o Estado do Gujarate representar, por si, mais do que o comércio do Reino Unido com todos os restantes estados da Índia.
Agora, Narendra Modi lidera a Índia toda. É por isso provável que dê à sua governação algo daquilo que se lhe atribui: firmeza, capacidade de gestão, carisma, um ascetismo elegante. O seu partido, BJP (Partido do Povo Indiano) conseguiu sozinho a maioria confortável dos assentos parlamentares. Responderá, por isso, se correr bem; e responderá se correr mal. O país está a crescer pouco (5%), embora a níveis que por cá nos deixariam eufóricos e inebriados. Debate-se também com uma inflação excessiva. E é, sobretudo, um incrível e fascinante mosaico de povos, de culturas e de religiões, cujo equilíbrio pode vir a ser perturbado pelo nacionalismo hindu que corporiza Modi. Ora, na Índia, "perturbação" é como tudo o que lá acontece: à grande.
O Paquistão, inimigo figadal, fez das tripas coração e felicitou-o pela "vitória impressionante". Esperemos que continue assim: se nem a Ucrânia conseguimos resolver, é bom que as relações indo-paquistanesas continuem relativamente calmas.
Modi vai governar.
Nada mal: pela primeira vez, manda quem pertence a uma casta baixa. Essa sim, é uma revolução interior para os 850 milhões de eleitores indianos.