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Uma mulher, no rotineiro percurso para o local de trabalho, passou por um caixote do lixo e nele depositou o seu filho bebé! Não o deixou junto a um hospital, igreja ou instituição de apoio à criança. Não, foi no lixo que abandonou um ser humano indefeso que não pediu para nascer. Este comportamento indicia uma personalidade fria, doentia e bárbara, mas da parte criminal tratará a autoridade judiciária. Pergunto-me, porém, que via-sacra tortuosa será necessário percorrer até que aquele pequeno ser seja acolhido e integrado numa família feliz. Espero e desejo que o processo de adopção seja cuidadoso, mas rápido, para que a criança possa gozar ainda do direito a uma infância de afectos, bem-estar económico e social, mas sobretudo que possa ainda desfrutar do amor de pais por opção e não por acaso. Porém, na maioria esmagadora dos casos, o procedimento de adopção é moroso, longo e burocrático, com demasiadas cedências aos pais biológicos em detrimento do interesse superior da criança. Condição sine qua non é a criança estar em situação de adoptabilidade, ou seja, têm de ser ouvidos os pais, os familiares, as assistentes sociais, os psicólogos, os educadores de infância... e a criança passa anos institucionalizada. Por outro lado, os candidatos a adoptantes tem previamente de se inscrever numa lista da Segurança Social ou na Santa Casa da Misericórdia, consoante o local onde vivem. Segue-se uma primeira formação perante representantes daquelas organizações, após o que se inicia um processo de entrevistas aos candidatos e uma segunda formação, testes psicológicos, sociais e técnicos, na perspectiva de obterem um certificado de selecção, a fim de se manterem integrados na Lista Nacional de Candidatos à Adopção. Vem a seguir uma espera indefinida com mais formação e preparação para a recepção da criança. Em resumo, como partilhou Joana Amaral Dias nas redes sociais, a sua realidade vivenciada foi de sete anos de burocracia e questões legais. Se a indecisão ou a facilitação de uma situação provisória da criança durante longa parte da sua infância, face à chantagem dos pais biológicos perante os consultores, assistentes sociais e decisores judiciários ou por outras razões, permanecer durante anos, então falha por completo o objectivo e desígnio principal deste instituto. Sendo certo que a Convenção dos Direitos da Criança privilegia o crescimento e desenvolvimento da criança com os pais biológicos, esta opção será de arredar rapidamente se estes não cumprirem os seus deveres parentais. A criança institucionalizada é carente por ausência de uma família que a apoia e lhe dê carinho. Tem direito a um ambiente de afectos, de apoio e acompanhamento moral, social, económico e cultural. Se o processo de adopção demora anos, ultrapassando qualquer prazo legal ou de bom senso para a realização completa da criança, o instituto da adopção não serve o seu escopo. É preciso repensá-lo, torná-lo eficaz, eficiente e útil.
a autora escreve segundo a antiga ortografia
*Ex-diretora do DCIAP