Até quando teremos um país com dois tipos de trabalhadores, os que se podem fazer ouvir, funcionários públicos e trabalhadores por conta de outrem e outros, sem voz, os profissionais liberais e trabalhadores independentes.
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Os profissionais liberais, cerca de 600 mil em Portugal, têm direito, como qualquer trabalhador, a defender os seus interesses económicos e sindicais.
As ordens e associações profissionais estão legalmente impedidas de exercer ou participar em atividades de natureza sindical ou que se relacionem com a regulação das atividades económicas dos seus membros. Ora, uma parte importante dos desafios e problemas que afetam os profissionais liberais está precisamente relacionada com estas áreas "proibidas", por exemplo, proteção social, modalidades de contratação, questões salariais ou de honorários.
Por outro lado, os sindicatos não incorporam em Portugal o conceito de profissão liberal nem possibilitam a filiação destes profissionais. Segundo relatório do Parlamento e Comissão Europeia recentemente divulgado pelo Eurofound, apenas três estados-membros, Estónia, Roménia e Eslováquia, não permitem a representação sindical dos trabalhadores por conta própria. A lei é omissa sobre esta questão na Bulgária, em Chipre, na Chéquia, na Letónia, na Lituânia, no Luxemburgo e em Portugal. A recentemente aprovada Agenda do Trabalho Digno, a Lei N.o 13/2023, que entrou em vigor no passado dia 1 de maio e que altera o Código do Trabalho, não vem infelizmente clarificar esta omissão. Efetivamente, o Art.o 10º desta lei reconhece o direito dos trabalhadores independentes em situação de dependência económica e apenas a estes (o que só por si já seria redutor) a representação e a negociação por associação sindical. Mas, como poderão sindicatos representar profissionais liberais que não podem ser seus membros?
Temos uma baralhada total. Continuamos como estávamos, profissionais liberais sem voz reconhecida na defesa dos nossos interesses.
Presidente da Associação Nacional dos Profissionais Liberais e antigo bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas