Já me pronunciei neste espaço sobre o fraco sentido de oportunidade que representa a chamada Agenda para o Trabalho Digno. Mas a versão final agora aprovada no Parlamento consegue ainda superar as piores expectativas iniciais, sendo corolário de uma obstinação legislativa incompreensível e um assinalável descolamento da realidade.
Corpo do artigo
Desde logo, a proposta de lei corresponde aos ares do tempo em que começou a ser preparada, enfermando da visão maniqueísta que os partidos de suporte à geringonça têm sobre as relações laborais. A eterna luta de classes manifesta-se, por exemplo, na insistência em tentar penalizar as chamadas plataformas de distribuição - que aqui cumprem o papel do "grande capital" - obrigando os respetivos operadores a terem um vínculo às empresas. O paradoxo da medida é que compete ao trabalhador formalizar essa ligação, colocando-lhe um ónus que obviamente ele vai dispensar. Ou seja, antes de existir, a iniciativa já está condenada ao fracasso.
Outro exemplo de flagrante disfuncionalidade - e duvidosa observância da Constituição, segundo dizem os especialistas - é a proibição de uma empresa recorrer a prestadores de serviços para colmatar um despedimento coletivo ou extinção de posto de trabalho. Além de constituir um freio à liberdade económica, esta medida revela um absoluto desfasamento das necessidades das empresas, desferindo um golpe de misericórdia a qualquer tentativa de reestruturação ou resposta a necessidades pontuais.
Num terceiro assomo de proselitismo, está o impedimento que se coloca a um trabalhador de renunciar aos créditos laborais a que tem direito, em casos de rescisão por mútuo acordo. A inclusão desta norma é duplamente preconceituosa, porque tanto desconfia dos empregadores como dos empregados. No primeiro caso, porque os rotula de exploradores; no segundo caso, ao tratá-los como ingénuos e incapazes de pensar pela sua própria cabeça, mesmo que sejam beneficiários de um entendimento com a sua entidade patronal.
Com esta rigidez normativa, a "Agenda" promete ser um somatório de complexidade, tensão e litigância. Se esta é a dignificação que se pretende trazer às relações laborais, estamos conversados. Mas não vivemos no mesmo Mundo.
Presidente Associação Comercial do Porto