Vale o que vale, mas o desespero que anteontem percorreu as redes sociais, mal foram conhecidas as linhas de força do Orçamento do Estado (OE) para 2014, são um claro sinal da desesperança que, dona do coração e da alma dos portugueses há uns anos, atingiu um ponto de possível não retorno. Verdade que o Governo já tinha libertado um conjunto de más e duras notícias, para ir preparando os espíritos mais crentes. Não bastou para que o país ficasse tonto e à beirinha da exaustão, quando souberam que até as viaturas a gasóleo vão dar mais uns cobres ao Estado.
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Este estado de contínua e perturbante desesperança tem razão de ser? Tem toda a razão de ser, sobretudo quando nos damos conta de que, apesar do colossal esforço feito em 2013, o famigerado défice recuou pouquinho (meio ponto percentual). Mais: quando nos é dito que, no próximo ano, estamos obrigados a dar-lhe uma martelada tão grande que o "monstro" há de recuar até aos 4%, custe o que custar, o Estado coloca-nos num estado de estupor catatónico. Quer dizer: ficamos imóveis por um longo período, adormecidos, à espera do beliscão que nos tire deste pesadelo.
Ninguém escapa a esta voragem, a este sorvedouro de todos os euros que o Governo julga estarem a mais nos bolsos dos portugueses. Os aposentados da Função Pública e os reformados da Segurança Social viverão pior. Os futuros pensionistas erguem as mãos em direção ao céu e pedem que a tempestade amaine. Os viúvos e viúvas, considerados ricos caso acumulem 2000 euros brutos, entram no baile da coleta. Os funcionários públicos, os que ficam e os que vão sair, largaram de vez a ideia de que no Estado é que se está bem. Os desempregados assim se manterão durante muitos mais anos, apesar do Governo acreditar que a economia crescerá 0,8% já em 2004. E até os condutores de viaturas a gasóleo apanham por tabela, por andarem em carros e motociclos que poluem a respirável atmosfera de um irrespirável país.
Acresce que os 4 mil milhões de euros que o Governo está obrigado a amealhar durante o próximo ano têm uma particularidade que torna tudo mais grave e decisivo: ou a maquia entra, de facto, nos cofres, ou lá se estraga a possibilidade de baixarmos do inferno para o purgatório. O mesmo é dizer: a entrada no famoso programa cautelar não está garantida, a menos que, mesmo rasgando a pele dos portugueses até ao osso, as contas batam certo.
Pode ser que a economia europeia nos dê um empurrãozinho. Pode ser que os sinais de recuperação da nossa economia ganhem corpo. Pode ser que tudo, afinal, corra bem. Pode ser. Mas uma coisa é certa: para citar Simone de Beauvoir, a autora que a nossa presidente da Assembleia da República adora, "é horrível assistir à agonia de uma esperança". É horrível ver como a desesperança se entranha na nossa pele.