O Governo colocou em consulta pública, no dia 23 de maio, o Livro Branco do Regadio Público.
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No dia anterior, a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, assinava o despacho a proibir a ligação precária a regadios públicos de áreas com novas culturas perenes, ou reconversão para outras culturas com maior exigência hídrica, ou culturas com menores necessidades em água sem instalação de sistemas de rega eficiente. Salvaguarda, no entanto, o fornecimento de água para os projetos já aprovados pelo PDR2020.
A ministra "não autoriza mais culturas permanentes de olival, abacate e frutos vermelhos", titularam os jornais. O que não é coerente com o teor do despacho, que é equilibrado e de bom senso.
Os agricultores têm de regar de forma mais eficiente e eficaz, apesar dos progressos já alcançados - a descida dos caudais de água para rega; a irrigação com tecnologia no Alentejo (2700 m3 ha/ano em amendoal, olival, milho e vinha).
É preciso controlar as perdas de água nos regadios públicos, o que implica um investimento de 786,96 milhões de euros. O estudo do Governo defende a colocação em regadio de mais 134 337 ha, a acrescentar aos 630 517 ha de superfície irrigável (16% da SAL - Superfície Agrícola Utilizada - de Portugal). Um acréscimo de mais 21% em superfície regada e um valor de investimento público de 1200,69 milhões de euros.
O consumo agrícola foi de 3557 hm3/ano, 70 % do consumo total de água (5081 hm3/ano). O restante consumo diz respeito a consumo urbano, industrial e de turismo. Em média há precipitação em Portugal de 30 800 hm3/ano, e, se contarmos com a água vinda de Espanha, há um total de 60 900 hm3/ano. O consumo representa um total de água de 16,5% e 8,3% dos totais respetivos.
Mesmo que o consumo duplicasse e que as alterações climáticas reduzissem 50% da precipitação (para 15 400 hm3/ano), admitindo que Espanha retinha toda a água, haveria uma taxa de cobertura das necessidades de 49,5%.
Não há falta de água em Portugal. Está é mal distribuída no tempo e no espaço geográfico. As precipitações são cada mais concentradas, mas torrenciais. Em poucas horas ou dias chove o mesmo que no passado em semanas ou meses.
É confrangedor ver a forma amadora, sem uma estratégia de defesa do interesse público e sem acautelar a criação de riqueza com que o Ministério da Agricultura tem tratado e trabalhado este assunto do regadio, decorrente da seca na agricultura de sequeiro (84% da SAU), mesmo o material lenhoso florestal começará a morrer dentro de poucos anos.
A construção de milhares de charcas ao longo das encostas nas diversas bacias hidrográficas é a solução para dar água às culturas de sequeiro, no outono, inverno e primavera, como acontecia com as precipitações atmosféricas neste período do ano.
Portugal tem oportunidade de incrementar a sua superfície de regadio através da dessalinização da água do mar. Deve começar este tipo de investimento pelo Algarve e Sudoeste Alentejano, depois o Norte, a Península de Setúbal, Ribatejo e Oeste.
Esta solução tem sustentabilidade para rega de culturas que geram valor acrescentado, fruticultura, horticultura, etc., por não terem risco de falta de água face à construção de barragens e transvases de água do Norte para o Sul.
*Analista agrícola