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1. Os hospitais empresa foram uma invenção magnífica. Não porque tenham permitido controlar os desperdícios e os custos com a Saúde (continuam a derrapar aos milhões); não porque os portugueses se sintam mais bem tratados (os que podem pagar, fogem para o sector privado); mas porque, descobrimos agora, com a gestão empresarial da coisa pública se adoptaram métodos de recursos humanos avançados. Tão avançados, que não lembram ao Diabo.
Começaram a ser celebrados contratos individuais e, com eles, melhores salários para alguns médicos. Mas para que os distintos doutores não se sentissem excessivamente pressionados, o Governo juntou, ao aumento de salário, a garantia de que haverá sempre uma carreira pública pronta para os acolher. E assim, antes de assinar o contrato individual que lhes aumenta os salários para o dobro, ainda que mantendo as mesmíssimas funções, os médicos pedem uma licença sem vencimento. Se as coisas correrem mal, poderão sempre regressar à função pública.
Claro que isto não é para todos, é só para os que merecem. Ou seja, para os que se sintam tentados a aceitar ofertas do sector privado. Podem estar descansados que a cunha e o amiguismo aqui não funcionam.
2. O país atravessa, já se sabe, a pior crise de que há memória. Corta-se nos salários dos funcionários públicos, corta-se o abono de família também a famílias pobres, aumentam-se os impostos. Andámos demasiados anos a gastar o que tínhamos e o que não tínhamos, não temos dinheiro para mandar cantar um cego. Ou talvez não.
Tal como nas histórias do Astérix, há sempre uma aldeia irredutível. Em Matosinhos, a Câmara Municipal propõe-se comprar, não um, mas dois estádios: o do Leixões e do Leça. Não porque a autarquia tenha qualquer interesse em tornar-se proprietária de estádios, nada disso. Aliás, deixa bem claro que, assim que os compre, os entregará de imediato a cada um dos clubes, para que façam com eles o de sempre: jogos de futebol aos domingos, de 15 em 15 dias. O objectivo é então evitar que os estádios sejam comprados por entidades privadas, uma vez que estão penhorados por dívidas ao Fisco.
Ou seja, tecnicamente a Câmara de Matosinhos compra dois estádios, mas na prática o que fará é usar o dinheiro dos contribuintes para pagar as dívidas de dois clubes de futebol profissional que sucumbiram à loucura habitual de gastarem em salários o que não conseguiam em receitas.
Não se conhece ainda o preço a pagar pelos dois estádios, mas será certamente uma migalha se comparado com os 4,7 mil milhões de dívidas de médio e longo prazo que as autarquias acumulavam no final de 2009. Ou mesmo com os 2,6 mil milhões de dívidas a fornecedores contabilizados em Julho passado. Longe vão os tempos em que o Poder Local parecia ser a melhor conquista da Democracia.