<p>A participação de Portugal no campeonato europeu de futebol suscitou entre os intelectuais da praça lusitana uma estranha discussão. Ela é posta, mais ou menos, nestes moldes: será que a equipa montada por Scolari ajuda Portugal a transformar-se num país mais coeso? Supostamente, a coesão será tanto maior quanto melhores forem os resultados. Ou seja: se chegarmos à final e vencermos, não haverá no Mundo quem nos bata em matéria de coesão. Ou será que, ao invés, o futebol, pelas paixões que produz, aliena o povo, fazendo-o esquecer que, parafraseando o dr. Jorge Sampaio, há mais vida para lá da bola?</p>
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Sem querer estragar o prazer analítico aos que manifestamente se incomodam com as massas ululantes que enchem os estádios, devo dizer que, às vezes, as coisas são apenas o que são. Qualquer apurado exercício sobre a estética e a essência do fenómeno futebolístico corre sérios riscos de chocar com uma realidade comezinha. Que é esta: os adeptos vão aos estádios, ou sentam-se comodamente em casa a ver um jogo, porque: 1) gostam de futebol e tiram prazer disso; 2) identificam-se com uma outra equipa; 3) esperam que a sua equipa ganhe, torcem por isso e estão na disposição de rir ou chorar por causa disso. Simples, não é?
Os últimos factos desmentem, de resto, o terror que se apoderou daqueles que temem que o futebol aliene o povo português para todo o sempre. Apesar da (até agora) boa prestação da Selecção, há manifestações de rua em Portugal e diárias exibições de preocupação com as dificuldades que o país atravessa.
Claro que, contra isto, ergue-se a tradicional bateria argumentativa que traz o fenómeno da corrupção à frente . Exemplos: construímos estádios a mais; as câmaras fartam-de de entregar dinheiro dos cofres do Estado aos clubes; os empreiteiros enchem os bolsos; a verdade desportiva (bela expressão!) é atropelada vezes de mais, blá-blá-blá... De repente, ficamos com a impressão de que todos os males do país têm no futebol a sua origem. E de que só os tolinhos (aqueles que gostam de futebol e são capazes de pagar para ver um jogo) não conseguem ver as garras do "monstro".
Lá bem no fundo, os intelectuais que execram o fenómeno futebolístico são os nossos Bob Proctor de trazer por casa. O co-autor do "Segredo" acha (e, pelos vistos, acha com sucesso, uma vez que o livro de auto-ajuda farta-se de vender) que, para que tudo nos corra bem na vida, basta pensarmos (em princípio, muito) que... tudo nos vai correr bem na vida. Para os intelectuais, o futebol estorva as mentes e interrompe a participação na vida do país. Logo, há que extirpá-lo. Tudo correrá bem a partir desse momento.