Na radicalização em que prossegue o debate político, fica difícil ser moderado sem ser acusado de estar a defender o contrário do que realmente se defende.
Corpo do artigo
Ser antirracista pode não ser suficiente aos olhos dos antirracistas de "raça pura". E ser antifascista também não. Num tempo em que a luta é global, importa distinguir a forma do conteúdo, porque uma causa muito nobre deveria exigir de nós todos comportamentos exemplares.
Criticar a destruição de propriedade alheia ou a forma como foi organizada uma manifestação que pôs em causa a saúde pública não teletransporta as pessoas para o outro lado da barricada. Os que cinicamente regressam, quando é do seu interesse, à velha máxima de que "os fins justificam os meios" são os que nunca aprendem com a história e não percebem que os meios utilizados determinam o sucesso das causas e o fim a que se chega.
Olhemos para um pormenor básico da manifestação contra o racismo ocorrida no sábado, em Lisboa, com pessoas dos diferentes concelhos da região mais afetada atualmente pela covid-19. É indesmentível que aquela manifestação com milhares de pessoas que não cumpriram a regra do distanciamento aumentou o risco de propagação da doença. Dos que lá estavam, mas também de todos os que nos dias seguintes se iriam cruzar com eventuais contagiados na manifestação. Não poderia ter ocorrido fazendo um cordão humano, mantendo as devidas distância, ligando a representação da UE em Lisboa à Embaixada dos Estados Unidos? Teria mantido a força dos números, acrescentando simbolismo a uma luta que é global e eficácia a uma mensagem que por todos deve ser ouvida: é preciso que haja mais justiça para que a paz triunfe!
A organização daquela manifestação falhou na forma, mas está absolutamente certa no propósito de lutar contra o racismo. Mas, quando não se distingue os que criticaram a forma dos que aproveitaram para criticar o conteúdo, cometem um segundo erro porque excluem pessoas que querem estar do lado certo da história. E não, não são os que consideram que há erros no processo que se devem calar, porque o que tira força à luta são os erros que se cometem, não é o reconhecimento de que esses erros existem.
Mas o disparate maior dos que se julgam puros, por serem mais radicais, é a força que dão ao que querem combater. Ou acham que é igual ao litro ter nas manifestações quem deseja a morte de polícias? Pensarão que com isto atraem mais pessoas para a causa justa?
Jornalista