O mundo da gestão está cheio de exemplos de chefes virtuosos, capazes de congregar equipas e de as motivar, que vão passando a ideia de estarem a dirigir uma empresa a todos os títulos exemplar, merecedora dos maiores encómios. Com alguma frequência, o passar dos tempos leva a descobrir que, afinal, os méritos não eram assim tantos, nem a política seguida tão virtuosa. O caso Enron, a crise do subprime ou, mais perto de nós, o sucedido com o BCP e, mais recentemente, com o BPN provam-no.
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Em alguns casos, os responsáveis souberam sair suficientemente cedo para ficar resguardados. Pressentiram que o futuro lhes reservaria dificuldades e abandonaram. Na política, Guterres e Durão Barroso vêm de imediato à cabeça. Por mim, somo-lhes Scolari. Desde o "Mundial" que o desempenho da Selecção, transformada em clube de amigos do treinador, deixa a desejar. Exige-se mais trabalho e renovação tanto mais difícil quanto Scolari desprezou o trabalho com as selecções mais jovens. Com os principais clubes, com a honrosa excepção do Sporting, também dominados por uma lógica de negócio de curto prazo, que os leva a contratar estrangeiros, não se adivinham tempos fáceis. As dificuldades da selecção inglesa provam-no. Esta é, por isso, a altura certa para sair. A ver vamos como se dá com os ares de Inglaterra e com uma rotina competitiva pouco dada a ritmos tropicais de trabalho.
Mestre na arte da gestão da imagem, Scolari adquiriu reputação de ganhador mesmo sem nunca vencer nada. Criou uma empatia profunda com os portugueses que se alargou aos "seus" jogadores, a quem tudo era perdoado. Um exemplo? Ao mesmo tempo que jornalistas e políticos se afadigavam na crítica aos vencimentos exorbitantes dos gestores de topo das empresas portuguesas, os jogadores ostentavam nos meios de Comunicação Social os seus automóveis de luxo, as suas mansões, as suas extravagâncias, criando perigosas ilusões, sem que se ouvisse uma única palavra de reprovação. Tudo tanto mais patético quando se soube que um jogador mediano que abandonou o F. C. Porto ganhava tanto como o presidente da maior empresa portuguesa!
Os tempos estão difíceis e, quando assim é, há a tentação de acreditarmos que podem acontecer milagres. Se não sai o euromilhões, talvez o filho dê em jogador de futebol. Dos bons, que a coisa não se faz por menos. Capitalizando nas expectativas, vai-se vivendo, na crença de que outros tempos hão-de vir, adiando decisões difíceis. Tendência que até parece ter contagiado o Governo, a julgar pela reacção do ministro da Economia a uma proposta que a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos havia posto à discussão. Percebe-se que, perante a subida dos custos, Manuel Pinho queira adiar o inevitável aumento das tarifas. De preferência para depois das eleições. Como economista sabe, porém, que os preços actuais continuarão a dar os sinais errados aos consumidores, induzindo comportamentos que importa alterar. Como sabe que o desvio entre esse preço e o que deveria estar a ser praticado se acabará por pagar. E sabe, ainda, que uma regulação independente é essencial para o bom funcionamento destes serviços. A vida de ministro não está fácil, mas esta fuga para a frente não se recomenda!