A arte de conviver com a deceção

E alguém me dizia nesse jantar que a frase "a política é a arte de conviver com a deceção" seria a frase do filósofo basco que o primeiro-ministro mais gostava.

Nem de propósito, porque esta frase é a que melhor se aplica a quem quiser ir um pouco mais fundo na análise deste Orçamento do Estado.

Em traços muito largos, eis algumas ideias com que fiquei de tudo o que pude analisar sobre o OE apresentado para 2019:

- a consolidação orçamental continua adiada;

- a que o orçamento apresenta (4 p.p.) decorre da baixa do juros da dívida (2 p.p.) e de dividendos distribuídos pelo Banco de Portugal (2 p.p.);

- ou seja, sem reformas e sem poupança;

- continuamos portanto sem rede se a política monetária do BCE mudar, se o crescimento europeu definhar, se o petróleo subir ou se o turismo abrandar;

- ora como a nossa carga fiscal está nos limites máximos, se vier por aí outra crise - e virá - temos menos instrumentos do que tínhamos em 2008, o que é muito assustador; o que nos imporia Bruxelas quando nos resgatasse?

- e a dívida ainda está muito longe dos 60% do PIB que tínhamos em 2008...

- os fatores de competitividade estrutural da economia não foram enfrentados;

- os licenciamentos continuam a ser um pesadelo, a justiça o que sabemos e a instabilidade e complexidade fiscal (atenuada este ano, é verdade) verdadeiros entraves; alguém me explicava recentemente que em Portugal gastamos 243 horas/ano a pagar impostos... ressalve-se o trabalho meritório de Maria Manuel Leitão Marques que, ainda assim, não chega;

Dito isto, percebemos que é difícil ter algum dinheiro de sobra e não o distribuir e também percebemos como isso é ainda mais difícil sem pôr em causa o equilíbrio do atual tripé parlamentar.

Resta-nos esperar que a paz reine até à aprovação final do documento. Porque afinal namora-se a Esquerda, mas executa-se para Bruxelas.

E talvez seja mesmo essa a nossa sorte!

*ANALISTA FINANCEIRA