A arte de surfar ondas
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Nos estudos jornalísticos, a "teoria do agenda setting" explica que "os media dizem o que pensar, embora não digam como pensar". Esta definição é discutível, pois concede ampla liberdade de interpretação aos cidadãos. No entanto, tem a vantagem de sublinhar o poder estruturante dos diversos projetos editoriais que hoje encontram nas ondas noticiosas o seu principal vetor de ação. Triunfa quem souber surfar com mais engenho. Nos últimos anos, o ambiente informativo foi invadido pelas ondas noticiosas que rebentam antes de haver um desfecho conhecido. Esta semana, na crista da onda tem estado Paulo Núncio. É incrível como o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais resistiu às demissões do diretor-geral e do subdiretor da Autoridade Tributária e Aduaneira. O seu argumentário foi sempre o de garantir que não conhecia a polémica lista de contribuintes VIP e com isso foi-se mantendo em cima de uma prancha sempre em equilíbrio precário. Bom seria se este fim de semana rebentasse outra onda...
Quem beneficiou muitíssimo com esta nova noticiabilidade foi Pedro Passos Coelho. Os media parecem ter esquecido as suas dívidas à Segurança Social como no passado também arrumaram de repente outra embrulhada chamada Tecnoforma. Também já não se fala do caso dos vistos "gold" que ditou a demissão do ministro Miguel Macedo e que tinha tudo para se constituir como uma poderosíssima onda capaz de colocar frente a frente polícias e espiões, PSD e CDS, Governo e oposição... Má sorte para quem apostou tudo aqui. Uma semana depois, uma outra onda percorria de forma hegemónica todo o espaço mediático. O caso Marquês e a prisão preventiva de José Sócrates instalaram-se em força nos alinhamentos noticiosos, porque conseguem gerar em permanência novas ondas que dão espessura a uma onda de fundo com muito lastro. Situação semelhante vive-se com o também chamado caso BES.
Ora, no meio do turbilhão, as estratégias dos protagonistas diferem conforme os casos e os contextos. Pedro Passos Coelho prefere esconder-se quando a onda está no pico mais alto, José Sócrates faz tudo por tudo para se manter em equilíbrio em cima de uma prancha difícil de navegar à tona da água. No caso BES, Ricardo Salgado tem preferido resguardar-se dos media, mas anteontem apareceu na Comissão Parlamentar de Inquérito, sabendo que, com isso, poderia capitalizar tempo mediático para apontar baterias a alvos bem identificados. Há, no entanto, um dado perverso em toda esta voracidade informativa: nem sempre sobressai quem tem razão. Muitas vezes triunfa o mais habilidoso. E quando se apuram os contornos do que aconteceu, os media parecem não ter margem de recuo para repor a verdade dos factos. Estão já absorvidos por outra onda.