A líder do PSD disse anteontem na televisão que Portugal vive mergulhado num clima de "asfixia democrática" (sic).
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"As pessoas têm medo de se pronuniar contra o Governo porque têm medo de retaliações" e "o sentimento que existe no país é de que as pessoas estão a ser controladas". Quem é o culpado? O Governo do engenheiro Sócrates, claro. "Desde o 25 de Abril, só com este Governo é que existe esta ideia de retaliação", atirou Manuela Ferreira Leite. Ninguém com o mínimo de bom senso consegue ouvir uma coisa destas sem, a seguir, vasculhar a casa à procura de câmaras ocultas ou de escutas nos telefones, não vá o primeiro-ministro ter decidido instalar um gigantesco dispositivo de vigilância nos lares dos seus compatriotas. Eu, confesso, fiquei cheio de medo.
A conversa de Ferreira Leite surgiu na sequência das perguntas que lhe foram colocadas a propósito da não-notícia que domina a época estival: as alegadas escutas que os socialistas andarão a fazer aos assessores do presidente da República. A líder social-democrata escusou-se a comentar directamente a matéria, mas aproveitou para esgrimir o papão da "asfixia democrática".
Valha a verdade que a matéria das escutas não tem muito por onde se lhe pegue de forma séria. Uma resposta obviamente irónica de um assessor de Cavaco (o tal que aludiu às escutas) a uma patetice de dois socialistas que se escandalizaram com o suposto facto de haver subordinados do chefe de Estado a ajudar na elaboração do programa do PSD (que mal tem isso, se o fizerem a título individual?) só é, na verdade, matéria "quente" porque houve quem, de forma desajeitada ou oportunista, nisso a quisesse transformar. Chegámos ao cúmulo de uma afirmação de Francisco Assis ter honras de manchete. Com o devido respeito pelo próprio, no PS e no país Assis representa-se a ele próprio e a mais ninguém.
A ideia de Manuela Ferreira Leite de que este Governo promove a "asfixia democrática" é, essa assim, matéria que merece reflexão e discussão. A líder do PSD deu dois ou três pífios exemplos desse suposto condicionamento. Todos se podiam aplicar a anteriores governos do PSD.
Passadas mais de tês décadas sobre o 25 de Abril, os portugueses ainda não conseguiram libertar-se da atávica dependência em relação ao Estado. Dependência e subserviência. O Estado - a administração local e central - aproveita-se disso, claro, para se satisfazer a si próprio, estendendo os braços até onde pode, de modo a satisfazer os intentos que a cada momento se impõem. Este desequilíbrio de poderes cria um círculo vicioso que, obviamente, ajuda à "asfixia" de que fala a líder do PSD. Sucede que o problema não está na cor de quem governa. Está na atitude. E aí as diferenças são de pormenor.