<p>A atitude não é nova. Sempre que há questões que dividem transversalmente a sociedade, seja no plano social, seja no político, logo surge a ideia de deitar mão ao referendo para o "tira-teimas". Instituto da democracia participativa por excelência, o referendo é demasiado sedutor para alguém ter coragem de o rejeitar. Se tantos defenderam que, a exemplo da Irlanda, se deveria ter consultado o povo português sobre o cabalístico Tratado de Lisboa, não há aparentemente nenhuma razão para negar esse direito quando o tema é o casamento homossexual, que reclama um cristalino "sim ou sopas". </p>
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Escrevi a palavra aparentemente porque, nada me movendo contra o referendo - pelo contrário - entendo que, neste caso concreto, não deve ser convocado. O meu argumento, simples, é o da circunstância política. Os cidadãos pronunciaram-se, há pouco mais de um mês, sobre a matéria que começa a dominar a vida nacional neste início de legislatura. Nem o PS nem o Bloco de Esquerda esconderam, no decurso da campanha eleitoral, a intenção de fazerem aprovar legislação nesse sentido. Ao invés, expuseram a questão ao debate. Quem votou nos dois partidos sabia muito bem que entre as propostas apresentadas figurava o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
É evidente que são múltiplas as razões para se assumir uma opção partidária. Ouvi, num fórum televisivo ou radiofónico, um cidadão revelar que votou pela primeira vez no PS porque o partido assumiu essa reforma como prioridade. Mas também acredito que muitos eleitores - talvez centenas - puseram a cruzinha no quadrado socialista... apesar dessa proposta constar do programa.
São os custos da democracia representativa. Dificilmente alguém poderá afirmar com verdade que se revê integralmente no programa eleitoral de um partido. No entanto, se ele vence o sufrágio, adquire toda a legitimidade política para o executar. Por via legislativa directa, em sede parlamentar. Não através de um referendo.
De diferente natureza é a discussão sobre se deve ou não ser concedida liberdade de voto aos deputados. O PSD já fez saber que é esse o caminho que seguirá. No PS, a disciplina vai ser a regra - só as duas deputadas independentes do Movimento Humanismo e Democracia, Maria do Rosário Carneiro e Teresa Venda, estão autorizadas a assumir a divergência. O argumento é precisamente o de que os membros da bancada estão vinculados ao cumprimento do programa eleitoral. Sinal de fraqueza, impor em vez de persuadir. É em matérias como esta - de consciência, embora com contornos ideológicos - que deve prevalecer a independência dos deputados. Cada um deveria votar de acordo com as suas convicções.