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Há truques de magia que funcionam bem durante algum tempo, mas que quando são muito repetidos começam por perder a ilusão das primeiras vezes e correm mesmo o risco de serem desvendados, de acabarmos a perceber como o mágico é, afinal, um habilidoso. Há qualquer coisa no atual momento do Governo e da sua aliança à Esquerda que se começa a parecer com um número de rotina.
Para começar, é preciso dizer que a forma como se enganou o "Diabo" foi digna de Houdini e as sondagens estão aí a aplaudir. Que o diga Passos Coelho que há um ano afirmou-se disponível a votar no PS, PCP ou BE se a estratégia do Governo funcionasse. "Se pudéssemos todos, sem dinheiro, devolver salários, pensões e impostos, e no fim as contas batessem todas certo, isso seria fantástico". Foi isso que aconteceu, as contas bateram certo e, por isso, imagina-se que Passos venha a pagar a promessa nas autárquicas.
O truque resultou, com o brinde da descida do desemprego e paz social, mas o controlo recorde do défice foi conseguido com um discreto mas eficaz apertar do cinto, apelidado de "cativações" ou, se quisermos, com o ministro Mário Centeno a agarrar com as duas mãos as chaves do cofre. Como dizia o líder da CGTP, em entrevista ao JN no passado domingo, "depois do ministro Vítor Gaspar, temos outro superministro. Não passa nada sem ir às Finanças".
Mas atingida com galhardia a meta do défice, uma coisa tão do agrado da Direita, continua a ser preciso fazer algumas coisas de Esquerda. O truque está em jurar à Esquerda para cortar à Direita. Veja-se duas manchetes de ontem. Alguém duvida do empenho desta aliança na defesa do Serviço Nacional de Saúde? Ninguém, mas começa a ser complicado com uma dívida às farmacêuticas que cresce a um milhão por dia. Está a aliança à Esquerda empenhada em apoios sociais para os mais jovens? Claro, só é aborrecido que a falta de dinheiro só permita acorrer a metade dos que deveriam ter direito ao programa de apoio ao arrendamento Porta 65. E outros exemplos não faltam.
Nós sabíamos que não havia magia que nos transformasse subitamente num país rico, mas se a única solução é esta austeridade de Centeno, um dia destes os dois aliados do PS vão perguntar-se se a única ambição que podem ter é o controlo do défice... E aí vai desabar o maior truque de magia política dos últimos tempos que foi a forma como António Costa gizou esta solução governativa.
*SUBDIRETOR