A possibilidade de alguém impor a outrem a realização de um determinado acto mesmo contra a vontade deste chama-se poder, numa versão simplificada da teoria elaborada pelo sociólogo Max Weber. Quando, em democracia, elegemos um determinado Governo, estamos a legitimar o uso desse poder, ainda que contra ele possamos lutar das mais variadas formas que o famoso direito à indignação contempla.
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Há, contudo, uma outra forma de exercer a liderança sem recurso ao poder. Chama-se autoridade. Gandhi, Jesus, Martin Luther King não tinham poder: conquistaram-no, espoletando verdadeiras revoluções simplesmente porque ao carisma juntaram a autoridade que lhes foi conferida pelo facto de milhões de pessoas terem seguido e praticado a mensagem por eles difundida.
Quer dizer: muitas vezes, a autoridade conquistada vale mais do que o poder adquirido. E, normalmente, são mais bem sucedidos os que se impõem pela autoridade do que os que procuram impor-se pelo poder.
Um exemplo caseiro. Paulo Moita Macedo, homem forte dos impostos na altura em que Ferreira Leite estava nas Finanças, não tinha muito poder - e o que tinha nunca o usou desabridamente. Mas foi ganhando autoridade, fruto do excelente trabalho feito à frente da complicada máquina fiscal.
Essa autoridade valeu-lhe o convite para ministro da Saúde. Passos Coelho quis pôr em ordem um dos mais complicados e dispendiosos ministérios - e escolheu alguém com o perfil ideal. Um homem que não vem da política, que não vive da política e, sobretudo, que não precisa da política para viver.
No melhor pano cai a nódoa, diz o povo com a habitual razão. Chegou a hora de Paulo Moita Macedo sujar o fato, agora manchado (talvez indelevelmente) pela força do corporativismo. Na linha do aperto financeiro a que estamos condenados, o Governo decidira, no âmbito do Orçamento do Estado, reduzir o valor das horas extraordinárias pagas a médicos e enfermeiros, tal como, de resto, aos restantes funcionários públicos. Pois bem: o Ministério da Saúde acaba de deixar cair o propósito, criando um regime especial para as horas extra no sector. Assim por alto, médicos e enfermeiros vão continuar a ganhar até mais 150% do valor normalmente pago por cada hora de trabalho. Para a restante Função Pública mantêm-se os cortes para metade.
É provável que médicos e enfermeiros continuem a ganhar o que ganhavam. Não é isso que está em causa. O que está em causa é que esta cedência a uma classe em detrimento das outras revela a fraqueza do ministro da Saúde perante o atávico corporativismo do sector. É claro: estando os hospitais obrigados a cortar nas despesas, vão ter de abrir buracos noutras rubricas para compensar os gastos com as horas extra.
Esta é, portanto, a pequena história de um ministro que ganhou autoridade fora da política e que acaba de a malbaratar dentro da política. Acontece a muito boa gente cheia de boas intenções...