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O actual confronto na "ziziqhu", ou região autónoma chinesa do Xinjiang (A Nova Fronteira) é um déjà-vu trágico, de enormes proporções, e possíveis enormes consequências.
Lembra, como veremos, os motins na França suburbana, em 2005, a teoria do "Choque das civilizações", de Huntington, os acontecimentos do 11 de Setembro, a "guerra contra o terrorismo", toda a memória das campanhas "contra-subversivas", da Argélia à Chechénia.
Traz de volta a difícil coexistência entre sérvios e albaneses, no Kosovo.
Recorda os sobressaltos e as dificuldades da construção do "modelo chinês" de estado, sociedade e economia.
Liga-se, por fim, à divulgação e publicidade de qualquer causa, minoritária ou de massas, numa época em que os mecanismos de comunicação electrónica (SMS/MMS, Facebook, Flickr, Twitter, correio electrónico e Internet, etc.) tornam impossível a um poder político, nacional ou internacional, silenciar as contradições no seu seio.
Primeiro, os factos.
No dia 26 de Junho, uma multidão de etnia han, maioritária na República Popular da China, terá atacado trabalhadores uyghur, do Xinjiang, numa fábrica de brinquedos de Shaoguan, na província de Guangdong. Houve muitos mortos e feridos, e os uyghur queixam-se da lenta e ineficaz intervenção da Polícia.
Em 2005, como todos se recordam, os tumultos entre a comunidade magrebina das cidades francesas começaram com um grupo de jovens, alegadamente perseguido pela Polícia, electrocutado numa estação de alta voltagem.
Dias depois, "intelectuais, estudantes, operários, comerciantes e agricultores" uyghur, nas palavras de um responsável, organizaram uma manifestação de protesto, na cidade de Urumqi, capital do Xinjiang, que terá sido reprimida pela Polícia. O Congresso Mundial Uyghur (WUC), no exílio, presidido pela antiga milionária Rebiya Kadeer, afirma que houve oitocentos mortos, se bem que os números oficiais sejam muito menores.
Daí a uma espiral de prisões, protestos, lutas de rua entre han e uyghur, cenas de selvajaria, controlo das ruas por bandos de autodefesa, foi um passo. Um passo que levou à lei marcial, à ameaça de execução de detidos, e obrigou ao cancelamento de importantes deslocações internacionais do presidente da China, Hu Jintao, incluindo uma visita a Portugal.
No Xinjiang, espécie de Far West da China, vivem quase nove milhões de uyghurs. São parte de um povo de origem turca, com muitos caucasianos de nome chinês, mas de olhos azuis e cabelos ruivos. A maioria é muçulmana sunita, integrando, com os importantes hui de origem persa, as dez minorias islâmicas da China.
Muitos uyghur consideram insultuoso o nome Xinjiang, que afirmam ser uma criação "han" e da Manchúria. Preferem falar em Turquestão oriental ou em Uygurstão, e possuem, como aconteceu no Kosovo, entre a população albanesa, uma versão correcta da sua história, do seu passado, da sua origem.
Afirmam, por exemplo, que estão nesta zona desde tempos imemoriais, muito antes dos "han", comos os kosovares afirmavam descender dos míticos ilírios, muito antes da Sérvia nascer.+
Quando se descobriu, em 1979, num oásis do deserto de Taklimakan, uma série de múmias excepcionalmente bem conservadas, datando de entre 2000 a 6000 a.C., os independentistas uyghur saudaram o facto como o "reconhecimento científico" da sua causa
Os corpos, incluindo o da "beldade de Lulan", não eram de han chineses, mas de jovens de pele branca e cabelos louros e ruivos.
A morte não era o fim, mas o princípio.