Para alguns observadores interessados, há um elo de ligação entre as tropas portuguesas em Cabul, as bombas em Jacarta, os motins no Xinjiang chinês, e as novas gerações de suicidas "sem chefe", no chamado "mundo Ocidental".
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Do ponto de vista de Pequim, claro, o país acaba de descobrir, à sua custa, o lado negro do "islamismo", e considera-se vítima do mecanismo geral do "terror", com origem numa interpretação virulenta do "Wahabismo", ou com outros contornos.
Para o secretário-geral cessante da Aliança Atlântica, sair do Afeganistão, agora, a meio da missão, é fazer com que o país se torne, no futuro breve, o centro de atracção de todos os radicais do globo, e o novo pólo de expansão da "Guerra Santa", para a Ásia Central, primeiro, e para a Europa, depois.
Mas no Xinjiang, a situação é mais complicada, sem a alta definição das histórias a branco e negro. O problema não começa com o regime comunista, mas, três séculos atrás, com a dinastia King, e a sua ocupação militar permanente do Turquestão, com matanças indizíveis. Entre 1944 e 1949 subsistiu, no Xinjiang, uma "república independente" (cujos dirigentes morreram todos, num misterioso acidente de avião), mas esta era fabricada, controlada e manipulada pela URSS, no seu sonho de começar a recortar, à nascença, a "Nova China" maoísta.
Em 1955, os comunistas criam a "região autónoma", e começa a falar-se no projecto de "Xibu da Kaifa", "o Oeste desenvolvido". Há depois a breve "perestroika" de Chu En Lai, e o abortado "Movimento das Cem Flores". Meio século mais tarde, o Xinjiang vê crescer grandes urbes, auto-estradas, o soberbo Sheraton de Urumqi, o turismo no Lago Celestial, que convivem com a pobreza das ruas marginais, dos bairros pobres e das aldeias paradas no tempo. Depois, há a migração massiva dos Han. Os nativos Uigur passam de 75%, em 1949, para menos de 49%, hoje.
Desde o fim da Revolução cultural, até 1985, os líderes autonómicos locais, a "sociedade civil" e os intelectuais, o povo e as "elites" sentiram mais liberdade. O pragmatismo de Deng, e os novos ventos, aliviaram a tensão. Mas tudo mudou outra vez com Tiananmen, em 1989. E a imposição da "hora de Pequim" a uma região distante, causou, a partir de 1995, novas ruminações, não compensadas com a grandiosidade das infra-estruturas modernas.
Com ou sem estado-fantoche, ou realmente soberano, o sonho irredentista dos Uigur subsiste. Existe na versão secular, no modelo pan-turco, na mundividência islamista, no projecto liberal, até numa certa visão neomarxista. Existe, desde Turghun Almas a Zordon Sabir, nos autores de obras proibidas, na historiografia alternativa, na arte e na poesia "resistentes".
Esse sonho provocou a emigração em massa para a ex-URSS, Turquia, Paquistão, para a Europa e os EUA. Levou os Uigur do exterior a propor uma evolução pacífica, mas fortaleceu também os grupos internos, manipulados pela al-Qaeda, ou seus antecedentes. Em 1990, com sede em Baren, o jovem Zahidin Yusuf liderou a primeira vaga de "nacionalistas islâmicos".
A partir daí, o "islâmico" sobrepôs-se, para os mais violentos, ao "nacionalismo".
Vi os seus presos, em Guantánamo, há um ano. Os homens tinham sido capturados em Tora Bora, no Afeganistão.
Afirmavam querer combater apenas o "centralismo ateu" chinês. Mas a sua luta parecia bem maior.
Não era o "Jadidismo" modernizador, mas o "Jihadismo" da aniquilação, em nome da fé. E a fé não se contenta com um pedaço do Mundo, mas com o seu todo.