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Kashgar, cidade da província ocidental chinesa do Xinjiang, está mais perto de Bagdade do que de Pequim. Convém não esquecer isto, ao analisar a "aceleração da história" naquela região.
Seguindo uma linha comum na Primavera de 2002, vários endereços electrónicos ligados à al-Qaeda (e sobretudo às suas "antenas" no Magreb e no Egipto) acusam hoje a China de ser "o principal inimigo do Islão".
Em Teerão, vários Ayatollahs (Sobhani, Hamedani, Sanei) protestam pelos "crimes contra muçulmanos", no Xinjiang. Na Turquia e no Paquistão, há manifestações de rua, desfraldando a bandeira azul, com o crescente, símbolo da independência reclamada por vários militantes Uigur.
O pós-maoísmo, desenvolvido e secular, descobre o "choque das civilizações".
O regresso inesperado do presidente Hu Jintao, saído do G8 para a presidência da Comissão Militar Central, mostrou a gravidade da situação.
Os homens fortes da segurança interna, Meng Jianzhu e Zhou Yongkang, ficaram com plenos poderes para lidar com a situação, e para estabelecer uma "barreira de ferro", intransponível pela violência, pela anarquia e pelo "fundamentalismo de pretexto religioso", um dos "cinco venenos" que, na linguagem oficial da China, ameaçam a "concórdia nacional".
Tal reviravolta coloca a China, decisivamente, na carruagem do comboio da "guerra contra o terrorismo". Mas esta entrada, que foi tentada e sugerida desde o 11 de Setembro, possui problemas para todos, a começar pelos outros "passageiros".
Claro que, em tal trajecto, a China "comunista" tem aliados menos evidentes.
Vejamos o caso de EK. O seu olhar duro não trai as origens: é investigador principal num instituto contraterrorista de Israel. Há uns anos, viajou para um bairro da periferia de Pequim, com uma série de documentos sensíveis.
Agarrava-os como se fossem fugir. Ia orientar uma conferência sobre a misteriosa al-Qaeda, para um grupo de responsáveis do Guoanbu, o serviço secreto externo chinês, na altura liderado por Xu Yongyue.
A ilustrar a exposição, exibiu vídeos pouco conhecidos, de treino militar da organização "Jihadista". Grande agitação entre a assistência. Numa série de imagens, apareciam edifícios de uma localidade do Xinjiang.
Seguiu-se um processo de "colaboração". EK recebeu, meses mais tarde, um agradecimento especial, por ter ajudado a "desmantelar uma perigosa célula terrorista" do grupo Uigur conhecido como ETIM, o "Movimento Islâmico do Turquestão Oriental".
A cooperação entre o Guoanbu e serviços secretos "pró-ocidentais", do Paquistão à Turquia, de Israel à Jordânia, começou com Qiao Shi (aliás Jang Zhitong), no início dos anos 90 do século passado. Shi, em tempos acusado de colusão com os nacionalistas de Chang Kai Check, tornou-se num dirigente zeloso do partido, mas sempre voltado para o "realismo" e para o "pragmatismo". Lidar com o "Turquestão" Uigur exige muitas quantidades desse realismo prático.
A primeira verificação é a de que, com muitos elementos secularizados ou "sinificados", com mais de 20 grupos reclamando a representação "nacional", a etnia Uigur não está unida: nem nos objectivos, nem nos métodos. E já não é, aliás, uma maioria absoluta no Xinjiang: a maciça imigração Han fez com que uma grande cidade, moderna e soberba, como Urumqi, tenha hoje menos de 20% de uigures.
Mas, ainda assim, há quase nove milhões destas almas na "região autónoma". É quase metade da população total. A esmagadora maioria não é "terrorista". E não se resolve o seu problema (que existe) só com força pública.