<p>Ahmed Khalfan Ghailani, tanzaniano de 36 anos, foi preso em 2004, acusado de participação nos ataques às embaixadas dos EUA no Quénia e na Tanzânia, de que terão resultado 224 mortos. Ghailani esteve dois anos em vilegiatura forçada por prisões secretas ianques até lhe ser dada hospedagem 'à maneira' em Guantánamo nos últimos quatro.</p>
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O prisioneiro foi o primeiro, de entre os que apodrecem na arrecadação militar entrincheirada em Cuba, a ter direito a julgamento civil em Nova Iorque. Os jornais, portugueses e norte-americanos, divergem, entre 277 e 285, no número de acusações que impendiam sobre o cativo - mas, já se sabe, para certo jornalismo o rigor passou a ser uma categoria da poesia...
De todas as acusações, só uma fez valimento inquestionável na consciência independente do júri civil: conspiração para destruir propriedade dos EUA com explosivos. Por tanto, Ghailani saberá em Janeiro se fica vinte anos ou até toda a vida na cadeia.
Veja-se como o mesmo sol que amolece a cera endurece o barro: quando me preparava para formular entre beiços a minha conclusão, fui embuchado pela tituleira de jornais portugueses ditos de referência, que estão ali para pensarem por mim, não vá eu baratinar-me. Que foi um golpe brutal na política de Barack Obama de querer retirar os prisioneiros do foro judicial castrense, sem direitos dignos de defesa, e passá-los para a alçada civil(izada), que deixem tomar posse os republicanos vencedores das intercalares que a coisa vai voltar a entrar nos eixos, onde já se viu?
E eu que pensava que tinha à minha frente 276 razões (vou ficar-me pelas 277 acusações, para não me arrepender de 'ter posto mais na carta') contra o julgamento militar antecedido de investigação com tortura e vêm os «de referência» dizer-me que não, que são 276 razões para deixar a tropa julgar a gosto!
O argumento é tão bárbaro como a barbárie que dizem combater: só com batota no julgamento é que se pode fazer justiça. Mas não é exactamente essa a lógica de traição e emboscada à falsa fé daqueles que se quer combater?
Felizmente, para uma breve recuperação da crença na civilização, o juiz Lewis A. Kaplan foi inflexível na rejeição de depoimentos arrancados à força: «Não devemos seguir [a Constituição] apenas quando nos for conveniente, mas mesmo quando o medo e o perigo acenam noutra direcção.»
Ficamos mais vulneráveis à barbárie? Deixá-lo: mais vale sermos mártires pela civilização democrática do que recém-convertidos à barbárie teocrática para espantar o medo.