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Estamos, por estes dias, com o país em suspenso, à espera que se resolva a querela do Orçamento do Estado. Depois de linhas vermelhas, avanços e recuos, propostas e contrapropostas, a discussão acantonou-se em 1% do IRC, numa espécie de birra fiscal a que os portugueses assistem com perplexidade e desencanto.
Ainda que possa ter algum caráter instrumental, este finca-pé reforça o afastamento que o PS cultivou, nos últimos 15 anos, em relação aos agentes económicos. Em 2010, em plena crise do primeiro PEC, o Governo Sócrates criou essa originalidade portuguesa que tem o título de derrama estadual e que, na prática, impõe um adicional ao imposto sobre os lucros das empresas, em regime de progressividade. Quanto mais rentabilidade tiverem, mais impostos pagam, o que resulta na inversão completa de um sistema que visa estimular o investimento e a produtividade.
Em 2014, um ano depois do acordo entre o Governo PSD-CDS e a liderança de António José Seguro para reduzir gradualmente o IRC, o PS desfez o compromisso e impediu que a medida ganhasse tração e estabilidade. Dez anos depois, há um novo braço de ferro sobre esta matéria, com os socialistas a manterem-se aparentemente irredutíveis face à perspetiva de ser aliviada a carga fiscal sobre as empresas.
Seria útil que a atual liderança do PS e os seus conselheiros ouvissem o que têm a dizer as empresas, os fiscalistas, e até o FMI sobre o assunto. Ou que respeitassem o que foi vertido no acordo salarial entre as confederações patronais, o Governo e a insuspeita UGT, na passada semana, com uma assinalável convergência em matéria de fiscalidade. Ou, ainda, que compreendessem que apresentar taxas médias de 25% sobre os lucros das grandes empresas é um péssimo sinal de mercado - sobretudo quando os concorrentes da Europa de Leste nem aos 20% chegam.
Mantenho a convicção de que, no final das contas, o bom senso vai prevalecer e não vai ser precipitada uma nova crise política. Ainda assim, não deixa de ser sintomático que um partido de poder, que governou dois terços dos últimos 30 anos, tenha esta atitude reiterada perante quem investe, produz e cria riqueza. É também por isso que a nossa economia é como é.