A descida de 8% da Taxa Social Única de novo exigida pelo FMI é uma boa ideia, num mundo ideal. Portugal não é um país ideal. Arrecadar 3200 milhões de euros por ano em IVA e oferecê-los às empresas é uma decisão que precisa de ser muito bem explicada.
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Pedro Passos Coelho abriu ontem a possibilidade de colar esta medida ao critério da "criação líquida de postos de trabalho". Não é um mau princípio, mas o dinheiro espalha-se por todas em vez de ajudar essencialmente as empresas exportadoras. Aliás, criar empregos para se ir buscar bónus ao Estado não reforça a competitividade do país.
A descida da TSU poderia ser substituída por uma medida altamente estratégica, mais barata, capaz de favorecer a exportação e criar emprego. Qual? Construir-se a nova rede ferroviária em bitola europeia, num formato que permita transporte de pessoas e mercadorias (linhas mistas), usando os fortes apoios comunitários já aprovados para Portugal.
O ponto é este: esqueça a palavra TGV. Não é disso que faz sentido falar. Portugal e Espanha têm comboios incompatíveis com a rede ferroviária europeia porque a distância entre carris (bitola) é mais larga na Península Ibérica. É assim porque no século XIX, quando os caminhos-de-ferro começaram a desenvolver-se, os espanhóis (e os russos) temiam que os franceses voltassem a invadi-los - desta feita de comboio. Portugal teve de se conformar com a decisão espanhola e usar a mesma bitola.
O projecto da nova rede de bitola europeia é esse: construir duas ou três linhas em Portugal que, unidas às novas vias espanholas, permitam a circulação de comboios europeus. Se assim fosse, os vagões que vêm da Alemanha com peças para os carros produzidos na Autoeuropa poderiam fazer uma viagem mais rápida e barata, sem ser obrigatório o transbordo em França. E o mesmo se passa com os veículos produzidos em Palmela: poderiam sair da fábrica e ser descarregados directamente na Polónia, ou na Áustria, ou em Itália... E quem diz a Autoeuropa diz milhares de empresas nacionais cuja solução de exportação passa, essencialmente, por colocar a carga em cima dos três mil camiões que diariamente entram e saem de Portugal. Viagens essas cada vez mais caras e à mercê dos crescentes impostos de CO2, portagens elevadas e bloqueios rodoviários por mau tempo ou greves.
Portugal pode avançar já com a linha Lisboa-Madrid em bitola europeia para que as exportações do arco Lisboa-Setúbal-Sines-Alentejo-Algarve tenham uma saída logística por Madrid e depois França. Em simultâneo, nesta nova linha irão circular também comboios de passageiros. Mas como não temos dinheiro para prejuízos na Lisboa-Madrid, entreguemos a exploração à Renfe (a CP espanhola) que tem muitos comboios, está interessada, e tem economias de escala que a CP não tem.
Há ainda um ponto essencial e pouco debatido neste assunto: se construirmos uma linha mista (passageiros e mercadorias) Lisboa-Madrid, poupamos o dinheiro de construir uma segunda linha, em bitola ibérica (!), paralela à futura linha de bitola europeia. É isso que está previsto neste momento, e em curso. O anterior Governo nunca admitiu uma só linha para os dois fins. Porquê? A quem interessa esta multiplicação de linhas?
Com os fundos comunitários do novo pacote de ajudas 2014-2020, Portugal deveria tentar novos apoios para as linhas ferroviárias Lisboa-Porto-Valença e Aveiro-Salamanca. As mercadorias portuguesas do arco Centro-Douro-Minho encontrariam duas saídas possíveis - pela Galiza, ou por Vilar Formoso/Salamanca, a via mais rápida para se chegar a França e ao centro da Europa. E reforçaríamos as ligações turísticas e económicas à Galiza, Castela-Leão, Astúrias, etc...
Uma nova ferrovia pode ser a nossa promessa à troika de fazer algo de consistente pelas exportações. Não se viaja para a Europa de comboio, mas as mercadorias sim. E a Península Ibérica é um território cada vez mais natural para se trabalhar, estudar e investir. Uma nova ferrovia sairia muito mais barata que a TSU, criaria mais emprego, e ficaria para as próximas gerações.