A insólita bofetada em pleno palco dos Oscars, alegada reação súbita a uma piada, foi a imagem mais mediatizada da semana.
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Por muito que atrás do momento existam bastidores e sentimentos que nunca conseguiremos conhecer, nada salva a animalidade do momento. A agressão é a resposta instintiva para quando a palavra nos falha. Porque é a palavra, e a falta dela, que nos distingue e humaniza. É ela que nos dá a capacidade de negociar, de analisar, de discutir. De discordar, e ainda assim conviver com as diferenças.
Há o risco, num tempo em que vivemos rodeados de teclas, em que tanta letra circula diariamente em milhões de posts e partilhas, de nos saturarmos das palavras. Somos bombardeados por comentários, interpretações, informações e contrainformação. Transformados, todos nós, em analistas e especialistas, dissecamos até à exaustão cada notícia ou mensagem política. Os recados de Marcelo na tomada de posse do novo Governo alimentam dezenas de artigos e entrevistas.
Apesar do excesso, não há que duvidar da importância crucial da palavra. Perdemo-nos muitas vezes nos equívocos das tricas políticas e nos jogos de retórica, mas é pelo discurso que vamos construindo pontes e descobrindo caminhos. A força domina, a palavra conquista. Liberdade, democracia ou igualdade não são meras palavras: a sua existência pressupõe a comunicação e a relação entre aquilo que é dissonante.
Num novo ciclo político que é de maioria absoluta e oposição fragmentada, perspetiva-se um Parlamento mais ruidoso e marcado pela agressividade. Numa casa cuja razão de ser assenta na negociação, a palavra é a única arma admitida para defender ideias. É através delas que se ganham combates. Que se distinguem valores e prioridades. Que se defende cada princípio inscrito na lei fundamental. Será inevitável, nos próximos quatro anos, que o poder de decisão passe menos pela Assembleia. Já o poder de influenciar o rumo que seguem ideias extremistas ou ruidosas passa todo por ali. As agressões, mesmo as metafóricas, evitam-se semeando palavras inflexíveis na defesa dos valores democráticos.
*Diretora