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De Espinho, à beira-mar, em dia de temporal, estendemos o olhar pelas ondas e observamos com angústia aquele ponto mais escuro que se debate, ao longe, com a ressaca. Os pessimistas apostam que se trata da cabeça de um náufrago. Os avisados, porém, esclarecem que, afinal, se trata apenas de uma boia a flutuar, ainda que fustigada pelo vaivém da ondulação. Assim está Pedro Passos Coelho, no último dia do congresso de um PSD a refazer-se do trauma de ter visto morrer na praia a sua ambição de continuar no Governo.
Como boia flutuante, assim está Passos Coelho, resiliente, frio, ganhador de duas eleições gerais consecutivas (o que não acontecia ao PSD desde Cavaco), sobrevivente de vários temporais políticos, capaz de manter a cabeça à tona quando muitos lhe vaticinam o naufrágio.
O sucesso de Passos Coelho depende, em absoluto, de fatores que nem ele próprio nem o PSD podem controlar. Porque a probabilidade de um regresso dos sociais-democratas à condução política é agora inversamente proporcional à capacidade do atual Governo socialista obter resultados e resistir à dupla pressão que lhe advém, seja da precária maioria parlamentar que o sustenta, seja da Comissão Europeia e dos principais credores, vigilantes sobre a evolução da depauperada economia portuguesa e sobre o cumprimento das metas orçamentais.
A eleição direta e antecipada dos líderes retirou aos congressos partidários o picante imprevisível de outrora. À parte a habitual liturgia destes eventos, o que se espera dos congressos é que eles sejam de consagração ou de renovação. De consagração, quando se trata de festejar, e não é este o caso do PSD. De renovação, é o que ainda estamos para ver, hoje mesmo, quer no discurso de Passos Coelho quer na composição dos órgãos nacionais do partido. Se nenhum verdadeiro sinal for dado neste sentido, o congresso de Espinho terá sido inútil.
Os anos de austeridade não deram margem para as reformas estruturais que Portugal precisa, as mais importantes das quais exigem consensos alargados e maiorias qualificadas. E tal só é possível com uma oposição ao mesmo tempo firme e cooperante, que vá ao encontro dos apelos do novo presidente da República. A cooperação é a arte de viver em desacordo. E não há democracia sem incerteza e sem conflito. Mas uma democracia madura não tolera ressabiados, antes reclama uma oposição forte, capaz de acenar com futuro, alternativas e esperança.
De Espinho, afinal, vislumbramos boia ou farol?
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