"Governar é escolher, por muito difíceis que sejam as escolhas", disse Pierre Mendès-France.
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Lembrei-me da frase do antigo primeiro-ministro francês ao imaginar o que poderá ser, por estes dias, o dilema de quem nos governa, quanto ao tempo e ao modo de retoma da atividade do país, sem que tal ponha em causa a travagem da epidemia que a todos nos traz sob temor.
Uma decisão precipitada, forçada por quantos desesperam por ver a sua vida estiolada e a economia a degradar-se, poderia ter consequências trágicas, como o reacelerar da propagação do vírus, deitando a perder o esforço feito. A clausura cautelar feita doutrina, que seria realmente a única receita infalível para prevenir a disseminação, teria como consequência pôr o país num insustentável "coma induzido". Conseguir encontrar o ponto de equilíbrio razoável entre ambas as perspetivas, garantindo que o estado da bolsa de cada um não se deteriora a extremos, sem pôr em causa a sua própria vida, é a decisão que hoje se pede a quem dirige o país.
Há muito que uma classe política se não via confrontada com um desafio desta dimensão, porque nunca, na existência coletiva dos portugueses de hoje, tinha ocorrido algo de tão dramático.
Num tempo como este, exigir-se-ia uma extrema racionalidade nas decisões, baseada em pareceres técnicos irrefutáveis. Se a racionalidade é sempre um bem escasso num ambiente emocional, com muitos mortos e vidas em risco, o rigor científico incontestável tem visivelmente escasseado. É assim um pouco por todo o mundo, o que justifica que as políticas seguidas estejam longe de ser uniformes. É que os especialistas em quem se apoiam os decisores políticos vivem, eles próprios, numa navegação à vista, lendo os sinais que retiram de exemplos alheios, aprendendo com as más e as boas práticas, incorrendo, aqui ou ali, em inevitáveis contradições, que a cruel memória da informação se compraz em relembrar.
Esse é o pasto ideal para a chicana política, ansiosa por escapar da "quarentena" de relativo silêncio a que um mínimo artificial de decência a confinou, e que hoje vive à cata de hipotéticas faltas à verdade. É também disso que alimentam os adeptos do "não é por acaso que", que têm as suas horas de glória nos antros de "bitaitismo" que são as redes sociais.
Não invejo o papel do presidente ou do primeiro-ministro. A ambos deixo outra definição, também de um politico francês, desta vez François Mitterrand: "Governar não é agradar". É ter a coragem de fazer o que acham certo, digo eu.
Embaixador