O ministro da Economia encheu o peito de ar para, com vigor, decretar, ontem, na Assembleia da República, que o país vive "um tempo de viragem económica". Esse tempo, atirou Pires de Lima, "devia ser motivo de satisfação para todos os portugueses e, nomeadamente, para todos os agentes políticos". Nomeadamente é, aqui, um advérbio de modo bastante interessante: Pires de Lima quer que o vulgar cidadão veja já, mesmo não vendo, a luz lá no fundo do túnel, mas, "nomeadamente", o ministro deseja que os "agentes políticos" se verguem perante a evidência, mesmo que a evidência não seja, como não é, evidente.
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A "esperança" de Pires de Lima vai a par, sejamos justos, com a noção de que há portugueses que "atravessam dificuldades". E aqui bate o ponto. Ouvindo o ministro da Economia, o vulgar cidadão há de questionar-se, em termos prosaicos: "Mas se isto já vai assim tão bem, por que razão andam as minhas finanças assim tão mal"? A resposta saiu, há dias, da boca do próprio ministro: "Trata-se de um milagre económico", graças a Deus.
O leitor não se espante, porque esta tendência para acreditar que o Divino, lá onde esteja, resolve os problemas dos terrenos não é coisa nova. Lembramo-nos todos do ex--ministro da Economia, o inefável Álvaro Santos Pereira, ter jurado a pés juntos que a retoma da economia estava marcada para 2012. Não houve retoma, apenas porque o Divino se distraiu. Lembramo-nos todos de Manuel Pinho ter dito, no consulado Sócrates, coisa parecida. O Divino tinha, nessa altura, outras prioridades. E lembramo-nos todos da famosa "teoria do oásis" expendida por Braga de Macedo. O Divino, mais uma vez, não ajudou à prova dos factos.
E fez bem, porque os factos, esses malvados (quase) sempre caminharam em sentido contrário. Dado que os factos não nascem por sua livre e espontânea vontade, alguém os criou e os encaminhou por um trilho que nos trouxe até aqui.
O que é "até aqui"? Um exemplo fresquinho, tirado do lead da notícia que fez a manchete da edição de ontem do JN: "A crise está a originar um novo fenómeno nos refeitórios escolares: há cada vez mais alunos e professores a levar almoço de casa, o que obrigou já alguns estabelecimentos de ensino a instalar micro-ondas". Com certeira e fina ironia, o Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Diretores Escolares, chama a este novo e crescente fenómeno "a brigada do tupperware".
Ironia à parte, este pequeno pedaço da nossa realidade reduz à sua verdadeira expressão a euforia quase incontida do ministro da Economia. Em boa verdade, a solidariedade que merece quem todos os dias sofre e batalha para ter o que comer e para meter comida no tupperware do filho que vai para a escola aconselha prudência nas palavras e decoro na postura. Não é essa, tristemente, a escolha da brigada do Governo...