A liberdade de expressão não desobriga ninguém de pensar duas vezes, ou mais, antes de emitir opinião.
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Até há duas décadas, a Comunicação Social e os livros eram os únicos palcos para conhecermos o pensamento de alguém, além das pessoas com quem mantínhamos contacto pessoal. A realidade, entretanto, alterou-se radicalmente. As redes sociais democratizaram a opinião, com tudo o que de bom e mau que isso encerra. Mas pior do que vermos parvoíces tornarem-se assunto do dia é o advento de uma espécie de polícia da Internet, que agora começa a institucionalizar-se, intervindo perigosamente, por exemplo, com aplicação de sanções e julgamentos públicos na sequência de tiradas de humor.
Admito que não se goste da brincadeira de Bernardo Silva, que, no Twitter, pregou uma partida a um companheiro de equipa, de raça negra, comparando-o a um "conguito". A imagem deixou as redes em efervescência e a própria Federação Inglesa de Futebol instaurou um processo ao português, não obstante a "conduta imprópria" ter sido desvalorizada pelo amigo de longa data do Manchester City.
O episódio não vale grande coisa. Nem o Bernardo Silva precisa que eu o defenda. Merece, no entanto, meditação. Quando uma brincadeira assume estas proporções, a era do bom senso está à beira do fim. O que é muito perigoso, se considerarmos que estão a surgir novas ondas de populismo, agora chanceladas pelo voto, que podem acabar por conduzir a governações no grau máximo da vigilância. Quando, nos anos 1960, Milan Kundera escreveu "A brincadeira", ainda não existiam redes sociais: um simples bilhete com considerações políticas, passado à namorada dentro sala de aula, atormentou para sempre a vida de um jovem, na então musculada Checoslováquia. Se pensarmos bem, recuar meio século em termos de liberdade não é um perigo, é já uma realidade que devemos combater..
Editor-executivo