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Interessam-me os rendimentos do presidente da Caixa pela mesmíssima razão que me levou a querer conhecer o calçado de um dos nossos maiores goleadores cujo nome não vem ao caso. O atleta tinha o pé mais pequeno que eu. Calçava o quarenta, posso garanti-lo. E só agucei a curiosidade pelas suas botas, quando percebi que o sapateiro do clube tinha ordens para não as mostrar, sobretudo a mim, encarregado que fora de lhe traçar o perfil que o jornal haveria de publicar. Afinal, o segredo das chuteiras era de polichinelo: escondia-o debaixo das palmilhas, era um cromo do Padre Cruz, o beato das suas devoções a quem atribuía a sorte do golo.
O novo presidente da Caixa também tem uma excelente carreira. E é, ninguém lho nega, um bancário maduro e competente. É desses predicados que o banco do Estado precisa: maturidade e competência para pôr ordem numa casa que, só entre 2011 e 2015, registou mais de 6000 milhões de créditos perdidos, por empréstimos concedidos sem garantias, borlas e desmandos que vamos continuar a pagar.
O Governo escolheu António Domingues para liderar a Caixa e, perante as condições deste, confecionou-lhe um fato por medida, no salário (423 mil euros anuais brutos, fora os prémios), na aprovação prévia de um processo de recapitalização, e na isenção de algumas formalidades a que os administradores estariam obrigados, torneando regras que vinculam a generalidade dos gestores públicos.
A coisa correu mal desde o início: a começar na extensa equipa de gestores propostos, alguns dos quais acabariam chumbados pelo Banco Central Europeu. E corre pior ainda depois da aprovação de um decreto-lei que visaria isentá-los de apresentar declarações de rendimentos e património, à partida e à chegada. Ora, é aqui que está o ponto. Domingues e o ministro Centeno das Finanças que o nomeou deveriam saber que a confiança é a chave do sistema bancário. E que sem transparência na administração do dinheiro público não há confiança.
Não sei o que esconde Domingues, mas quando alguém esconde, a gente vai querer saber. Esconder por esconder, entre o singelo pudor de um atleta que marcava golos, ou a declaração de rendimentos e património do banqueiro do Estado vai toda uma diferença ética: um podia, o outro não deve. Vai longa e penosa a novela, e a culpa já não é de Domingues. Ao ministro das Finanças podemos creditar o mérito de ter feito passar dois orçamentos e de convencer os burocratas de Bruxelas, mas em matéria de banco o nosso Centeno ainda não deu uma para a Caixa.
* DIRETOR