Não vale a pena tecer mais comentários sobre o acórdão do Tribunal Constitucional, ou sobre as declarações do seu presidente, que geraram um sentimento geral de perplexidade. Bastará ler a imprensa internacional para ver como poucos entendem que seja um tribunal a interferir, desta forma, na governação.
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Muitos desses observadores não saberão é que a Constituição é um dinossauro vermelho que foi imposto pelo pacto MFA partidos, que estabelece restrições à nossa democracia representativa mas que a Esquerda não admite rever porque lhe é conveniente. Mas não é só o Partido Comunista que, por tudo e por nada, invoca a defesa da constituição e combate qualquer revisão. Também o PS a utiliza como instrumento de poder e têm garantido a sua imutabilidade.
Infelizmente, enquanto o regime político vai dando mostras de esgotamento, a Esquerda entrincheira-se num texto a que são alheios os cidadãos com menos de 50 anos de idade, cuja elaboração não resultou de um processo democrático, e que não só tem ajudado a comprometer e a adiar as reformas, como tem contribuído para um conjunto de distorções que impedem a almejada equidade de que agora tanto se fala.
Tendo sido suscitada, esta questão da equidade veio abrir uma caixa de Pandora. Discute-se, agora, se não será o setor privado o mais prejudicado, se os funcionários públicos não têm benesses e garantias que não existem para os outros cidadãos, e chega-se mesmo a diabolizar o próprio setor público. Ora, não nos parece lícito proceder a distinções absolutas, ou a preto e branco, neste domínio: entre os bons e os maus cidadãos, entre os patrões e os trabalhadores, sejam eles do setor privado ou do setor público, entre os reformados e os desempregados, entre os mais novos e os mais velhos. O bom cidadão não pode deixar de ser aquele que contribui solidariamente para o bem comum, o que não significa naturalmente que com isso tenha de descurar os seus interesses individuais.
Na verdade, existe uma diferença profunda entre aqueles que trabalham na esfera privada e os que trabalham na esfera pública. Os primeiros estão sujeitos à meritocracia. São avaliados de forma mais exigente e estão, por isso, mais expostos ao risco. Os segundos têm mais garantias, mas os melhores de entre eles não veem sempre o seu mérito reconhecido, distinguido ou premiado. Como me perguntava, há dias, um estudante de economia, será que um funcionário público do quadro deveria descontar para o fundo de desemprego, já que se trata de um seguro que cobre um risco ao qual ele não está exposto? A pergunta pode parecer inocente, mas merece ser equacionada...
É importante que haja equidade, mas não por desígnio constitucional ou pela interpretação lata que lhe é dada por alguns senhores. A equidade impõe-se por razões de justiça social, e constitui imperativo básico de uma sociedade moderna e solidária fundada no princípio da dignidade humana.
Sabe-se, também, que a atual crise, e o sacrifício que a nós é exigido, resulta em grande parte da falência do Estado. Apesar de nos ser exigido, a todos nós, um esforço cada vez maior para o sustentar, percebe-se que, no futuro, e mais que não seja por razões de demografia, esse Estado não poderá cumprir as suas funções de redistribuição. O Estado Social será, por isso, cada vez mais exíguo. E isso não resulta de uma opção ideológica, como alguns nos querem fazer crer. Decorre da realidade que todos conhecemos.
A ser assim, é o Estado que se deve reformar. E isso exige, pelo princípio da equidade, mas também por questões de razoabilidade, que os seus trabalhadores estejam sujeitos aos mesmo escrutínios e riscos que os trabalhadores do setor privado. Estes trabalhadores terão também de viver com o risco do despedimento, seja por sua culpa, seja porque o trabalho que desempenhavam deixou de existir. Não terão ADSE, nem outras benesses. Será um drama para muitos. Um drama que se tem vivido no privado. Para os melhores, contudo, é uma oportunidade de verem a sua carreira e as suas qualidades reconhecidas e para nós todos, é a única chance de termos um Estado melhor e viável.