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No meio da enorme crise que atravessamos, que interessa ao cidadão comum que Sócrates tenha "desfeito" Ferreira Leite ou Louçã encostado Sócrates às cordas?
Quem faz da política um Porto- Benfica e a transforma num jogo de rivalidades sem outro objectivo que o de encontrar um vencedor, deverá ter adorado o debate de sexta-feira no Parlamento, com dois momentos zen: primeiro, o confronto Sócrates-Ferreira Leite, depois o que opôs Louçã a Sócrates.
Vencedores, cada um encontrará os seus, segundo a sua própria fé. É pena que os dois debates tivessem pouco sumo: Ferreira Leite queria fazer política com uma decisão judicial e pagou caro uma frase dita há dias, referindo escutas já desvalorizadas e mandadas destruir pelas instâncias judiciais superiores ("não podem destruir-se provas"); acresce que a sua inaptidão política ainda deu mais terreno para Sócrates repor as coisas no lugar, isto é, à política o que a ela pertence à justiça o que é de justiça, deixando a adversária em evidente mau estado (político, claro). Como Louçã é o oposto de Ferreira Leite e não tem falta de aptidões para o diálogo parlamentar, obrigou Sócrates a passar um mau bocado, curiosamente também por causa de uma frase ("espionagem política") não sua, mas de um seu ministro. E como Sócrates não quis, porque não podia, dar cobertura ao ministro por essa frase, acabou por sair menos bem do confronto.
Tudo isto se passou no dia seguinte a saber-se que o desemprego subiu para dois dígitos. Não parecia. Pouco adianta o Governo vir dizer que até levou ao Parlamento propostas de aumento do salário mínimo e de ajuda às empresas, porque ficou evidente que o Governo, como as oposições, estavam mais interessados em acertar umas contas mal saldadas desde que o Código Contributivo foi chumbado por todas as oposições e desde que os casos de justiça foram aproveitados pelo PSD para o combate político, do que em discutirem os reais problemas do país.
Mas era bom que tivesse passado esse tempo. O país precisa de soluções para muitos problemas e precisa de inventar escapatórias para a crise. As empresas vivem grandes dificuldades, umas encerrando outras atrasando pagamentos e salários, as famílias estão generalizadamente atingidas pelo desemprego de alguns dos seus, os municípios esgotaram as suas capacidades e em muitos locais do interior são já o único empregador. No meio de tudo isto, no meio da enorme crise que atravessamos, que interessa ao cidadão comum que Sócrates tenha "desfeito" Ferreira Leite ou Louçã encostado Sócrates às cordas? E quanto custou o tempo que se perdeu com isto?
Vêm aí novos testes à capacidade dos nossos políticos darem respostas à crise. Mais alianças negativas no Parlamento para derrotar o Governo ou para lhe impor soluções de governação que não são as suas levarão certamente a alegria às máquinas partidárias. Mas não resolverão problemas. Ajudarão, apenas, a tornar o país ingovernável. Infelizmente, todos os sinais parecem dizer-nos que é para aí que caminhamos.