Numa famosa passagem de "Os Maias", Eça coloca na boca de Ega esta fala: "Lisboa é Portugal (...). Fora de Lisboa não há nada. O país está todo entre a Arcada [o Terreiro do Paço] e S. Bento". Talvez esteja aqui a origem da conhecida máxima "Portugal é Lisboa, o resto é paisagem". E, quem sabe?, aí esteja também a inspiração para o pensamento centralista que parece nortear a atual governação do país.
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Decididamente, o Estado não sabe como lidar com o Interior. Sempre com um hálito demagógico na boca quando fala da coesão do território, falha em absoluto nas suas políticas. A opção de centralizar em Lisboa a gestão dos museus e monumentos do território é apenas um dos últimos disparates, como o foi o fracasso das deprimentes "Unidades de Missão" que nada conseguiram do que prometiam para o desenvolvimento do Interior. E falhou, especialmente, ao ignorar as propostas desse esperançoso "Movimento pelo Interior", que, em 2018, apresentou um conjunto de 24 medidas para, num prazo de três legislaturas, garantir uma clara reversão da situação que se vive nestes territórios. Com isto, hoje tudo aponta num sentido inverso à manutenção da vida humana no Interior, onde os níveis de envelhecimento e desertificação são assustadores.
Recentemente a ministra Ana Mendes Godinho regozijou-se com a grande adesão que está a haver às candidaturas ao "Programa Regressar", dirigido a emigrantes, que, regressando a Portugal, recebem vantajosos apoios financeiros e benefícios fiscais. Contudo, é público que 80% dos candidatos estão a ignorar o Interior e a optar por estabelecerem-se no Litoral, principalmente em Lisboa, Porto, Braga e Aveiro.
Partiram "de olhos molhados, coração triste", como diz a canção de Manuel Freire, e com o sonho de voltarem. E hoje voltam mais fortes e empreendedores, mas já não para as terras que os viram partir, que os viram nascer e crescer. Afinal, haviam ali deixado a triste e cinzenta realidade do interior rural, e, hoje, voltando, vão encontrá-lo ainda pior: mais triste e vazio.
Escritor e jornalista