Não sou mulher de superstições. Sempre convivi bem numa mesa de 13 pessoas, não me afligem os gatos pretos, não me ralo se estiverem a ler o (meu) jornal por cima do (meu) ombro, não me preocupo se abrirem chapéus-de-chuva dentro de casa, não acredito que uma carteira pousada no chão afaste o dinheiro, e se não gosto de cabides em cima da cama é apenas por uma questão de arrumação.
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Mas, desde há muitos anos, que não transijo num pormenor: nunca me visto de verde.
Não tem a ver com nenhuma superstição daquelas que o povo conhece, nem se trata de qualquer acto ostensivo de repulsa sportinguista.
É - digamos -mania minha. Mania assente em factos de tempos idos, quando eu era jovem e pensava que todos os amores eram eternos. Quando um dia descobri que não eram, senti-me a pessoa mais infeliz do Mundo e, talvez por que então vivesse na cidade mais romântica do Mundo, decidi tomar a atitude romântico-heróica de nunca mais na vida me vestir de verde, que era a cor da saia que eu levava nessa manhã.
(Vá, podem rir à vontade, que eu espero.)
Mas a verdade - e já lá vão 40 anos! - é que nunca mais me vesti de verde. Já fiz uma ou outra tentativa, caramba! não nos podemos deixar levar por palermices dos verdes anos!, e experimentei um lenço, uma t-shirt, uma coisa assim. Acabei sempre por desistir. Não consigo explicar porquê, mas é assim como se me sentisse a cometer uma traição, e com a certeza de que os deuses me vão castigar por isso. Mas na semana passada convidaram-me para ir a um programa da televisão.
"É agora", pensei eu, "nada melhor que este princípio de ano para acabar com esta tolice".
Vai daí, no próprio dia da emissão (para não ter tempo de me arrepender…) entrei numa loja, comprei uma camisola verde, mas verde mesmo, verde a sério, verde-que-te-quero-verde, e corri para os estúdios, onde tinha de chegar a horas porque o programa era em directo.
Prendem-me um microfone à camisola (verde!), e lá me sentam ao lado da jornalista, que está ligada pelo ouvido à régie, onde - segundo depreendo - lhe estão a dar alguma ordem de última hora.
Ela diz-me qualquer coisa que eu não entendo, porque fala baixinho, e repete, mas só à terceira é que percebo:
"Estão a perguntar-me se não se importa que a sua camisola vá aparecer azul em vez de verde… É que o cenário atrás de si é verde, e por isso temos de mudar a cor, se não não se distingue nada"
E lá apareci de azul nos ecrãs. E lá enfiei a camisola verde para o fundo mais fundo de uma gaveta, donde espero não voltar a tirá-la. Quem sabe se este não foi um recado dos deuses? Pelo sim pelo não, o melhor é não os provocar.