A capitulação da Ucrânia, não, obrigada!
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Através da história percebemos que há acordos de paz que têm em vista, de facto, o fim de uma guerra e que há outros que pretendem apenas sacrificar a soberania de um Estado e impor uma ordem conveniente aos poderosos. O "plano de paz" apresentado pelos EUA - os 28 pontos de Donald Trump - faz parte destes que caem como um ´diktat´ sobre os povos massacrados pela guerra, impondo-lhes não a paz, mas a capitulação.
`A Ucrânia, a proposta assente em 28 pontos humilhantes chegou com estrondo. É verdade que a Ucrânia enfrenta cada vez maiores dificuldades numa guerra que se arrasta há 1 369 dias; que a Europa está cansada deste arrastamento e dos consequentes impactos na economia; que o mundo receia que este conflito localizado se alastre aos países vizinhos e se transforme, por via da pertença destes Estados à NATO, numa guerra mundial; porém, nenhuma fadiga coletiva confere a obrigação da Ucrânia aceitar a capitulação mascarada de acordo de paz.
O plano norte-americano parte de uma premissa errada: a de que se pode restaurar a soberania ucraniana reconhecendo "de facto" (porque "de jure" já existe) a anexação da Crimeia, de Donetsk e de Luhansk, desenhando fronteiras pós-guerra com régua e esquadro... e, claro, calculadora; e obrigando Kyiv a abandonar a parte da região de Donbass que ainda controla, de modo a permitir criar aí uma zona neutra, desmilitarizada, posteriormente reconhecida, a nível internacional, como território da Federação Russa. A soberania de um Estado não se reafirma, retirando-lhe soberania sobre partes do seu território!
O plano é audacioso. A esta proposta de perda de território pela nação a que não é possível imputar a responsabilidade pelo início da guerra, junta-se a imposição da redução das suas Forças Armadas a um exército de apenas 600 mil soldados; a renúncia constitucional à NATO; e a proibição expressa de presença militar ocidental no país. Com estas imposições, os EUA não
pretendem criar uma paz duradoura, mas, tão só, neutralizar, de forma permanente, um Estado soberano, institucionalizando a sua vulnerabilidade e garantindo ao inimigo - responsável pela guerra - uma vizinhança incapaz de responder pelas armas a uma nova invasão ou novo ataque no futuro mais ou menos próximo.
Perante o anúncio do plano norte-americano, obviamente consertado com a Federação Russa (hoje até se soube que pode ter autoria russa), Vladimir Putin, sorri e declara que o plano "pode servir de base para uma solução definitiva". E se a Ucrânia não quiser, ameaça com a ocupação de mais território ucraniano. A chantagem é explícita: ou Volodymyr Zelensky aceita a capitulação ou a guerra que conhecemos será apenas o começo. Ora, a história também nos ensina que um plano que se pretende de paz não se negoceia com um aviso de uma nova ofensiva.
A Ucrânia vive, de facto, um dos momentos mais difíceis da sua história. Entre aceitar os 28 pontos ou enfrentar um inverno devastador, entre preservar a dignidade nacional ou arriscar perder o apoio norte-americano, o Presidente ucraniano parece querer manter a única posição moralmente defensável: negociar com os aliados, sim, mas sem trair a Ucrânia e o seu povo. É o mínimo que Zelensky pode fazer, por estes dias, se não quiser perder a dignidade e deixar de ser o Presidente de um Estado soberano.
Apesar de todos os esforços políticos e diplomáticos, Zelensky está cada vez mais só. Enquanto a França e a Alemanha, receosas de um conflito à escala mundial, saúdam, embora com timidez, os esforços norte-americanos, o Reino Unido, sem surpresas, vai mais longe, manifestando o seu apoio ao plano de Trump. A União Europeia, embora estranhe a ausência de diferenciação entre agressor e vítima, no plano, tem uma reação mais morna do que a situação exige.
Este não é o momento adequado para uma política de ambiguidade. É o momento de a União Europeia assumir com clareza uma posição de força contra uma proposta que não é um roteiro para a paz, mas um contrato de subjugação da Ucrânia, e até da Europa, ao jugo russo e norte-americano;
que não é um acordo de paz, mas um ultimato - um ultimato com data marcada: quinta-feira, 27 de novembro, o dia de Ação de Graças na tradição americana. A paz não nasce de ultimatos, de ameaças militares, de renúncia a alianças defensivas, de cedências comerciais e de território. A paz futura de uma nação soberana não se decide entre o peru e a sobremesa na mesa da Ação de Graças.
A autodeterminação do povo ucraniano tem de ser um princípio inegociável. A Ucrânia não pode ser forçada à capitulação. A União Europeia não pode assistir a esta humilhação como espectadora silenciosa. Os EUA não podem impor uma solução que protege interesses próprios em vez de salvaguardar um aliado atacado por um vizinho invasor. A paz duradoura que a Ucrânia, a Europa e o mundo precisam obriga a ouvir a Ucrânia e a respeitar o direito internacional. O plano dos EUA não procura obter a paz de que precisamos, mas apenas esmagar a Ucrânia e a Europa.

