No domingo passado, completaram-se 10 anos sobre a entrada em vigor da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, parte integrante do Tratado de Lisboa, assinado em dezembro de 2007.
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Também em dezembro, mas 10 anos antes da sua entrada em vigor, começavam em Bruxelas os trabalhos da Convenção encarregada de redigir e aprovar a Carta, solenemente proclamada em 2000, pelo Parlamento, pelo Conselho e pela Comissão Europeia, na Cimeira de Nice! É hoje decisivo ponderar de forma séria e crítica o que mudou entretanto e o que permitiu o infeliz retrocesso do projeto europeu, nos últimos 20 anos!
Entendeu-se que o projeto de uma Constituição para a Europa devia começar por uma declaração dos direitos: assim nasceu a Carta dos Direitos Fundamentais. Vale a pena recordar a intervenção na Cimeira de Nice, em 2000, da Presidente do Parlamento Europeu: "A Carta não visa somente proteger os cidadãos de eventuais abusos das instituições europeias. Visa igualmente proteger os países de retornos ao passado (...). Conferir valor jurídico à Carta significa (...) que esses valores nos vinculam a todos (...). O Parlamento Europeu deseja (...) que os estados-membros confiram à Carta (...) a força de lei, que é condição da sua credibilidade e eficácia". As palavras de Nicole Fontaine exprimiam então uma vontade política genuína partilhada por 15 estados-membros e que preparava um ambicioso alargamento que não comprometesse os seus valores fundacionais.
O balanço da aplicação da Carta ainda está por fazer, mas temos de admitir que a resposta aos desafios enfrentados nos últimos 10 anos é confrangedora: os valores da Carta cederam ao império do Tratado Orçamental, as políticas de austeridade cega dividiram os povos e ofenderam a dignidade dos cidadãos. Com cínica indiferença, comprometeu-se o socorro humanitário e o acolhimento das vagas de imigrantes sepultados no Mediterrâneo ou internados em campos de refugiados. E, por fim, o recrudescimento dos nacionalismos e a extrema-direita populista ameaçam hoje as nossas democracias.
Porém, a Carta continua a apontar-nos o caminho a seguir! Entre a primeira reunião da Convenção para a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, em Bruxelas, a 19 de dezembro de 1999, e a sua entrada em vigor no dia 1 de dezembro de 2009, decorreram quase 10 anos e virou-se uma página decisiva da história da Europa. Curiosamente, foi sob a presidência de Portugal, e com governos socialistas, que se abriu e se iria encerrar este longo processo com a assinatura do Tratado de Lisboa em 13 de dezembro de 2007 - o Tratado que finalmente conferiu à Carta a "força de lei" por cuja efetiva aplicação nos batemos e pela qual continuamos a lutar.
*Deputado e professor de Direito Constitucional