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A renúncia da totalidade dos membros do Conselho de Administração da Casa da Música, apresentada em bloco à reunião do Conselho de Fundadores no dia 18 de dezembro, era óbvia e inevitável. Confrontado com a decisão e as razões apresentadas na declaração comum lida pelo Presidente do Conselho de Administração, José Manuel Dias da Fonseca, o Conselho de Fundadores, por unanimidade, manifestou a sua plena compreensão dos motivos que os conduziram a esta dramática solução e reafirmou a sua total solidariedade com os administradores cessantes.
Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, não foi o mero corte de 3 milhões de euros no financiamento do Estado que provocou esta atitude. A Casa da Música sofreu, a partir de 2010, sucessivas restrições financeiras que graças ao trabalho do Conselho de Administração e ao empenhamento dos seus colaboradores foram assumidas sem prejuízo da qualidade de uma programação que, em poucos anos, conquistou o mais amplo reconhecimento internacional, satisfazendo os encargos relativos aos agrupamentos residentes - onde se inclui a Orquestra Sinfónica do Porto - e dando continuidade ao Serviço Educativo que, exemplarmente, tem vindo a prestar à comunidade. E tal como no passado, a Casa da Música continuava disposta a suportar as restrições acrescidas para o ano de 2013 que, no passado mês de abril, tinham sido acertadas com o secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas.
Reconhecendo o paradoxo da atribuição de nota negativa à Casa da Música, consumada pelo famigerado inquérito realizado às fundações, e perante o Conselho de Fundadores, em cuja reunião participou, o secretário de Estado da Cultura reconheceu então não só a injustiça daquela avaliação como admitiu que tendo em conta os encargos inerentes à integração da Orquestra Sinfónica do Porto, se justificava, para a Casa da Música, um tratamento equivalente ao do Centro Cultural de Belém, na ponderação do montante dos cortes a efetuar.
Foi com base nesse compromisso claro, inequívoco, solidamente fundamentado - e de que o Conselho de Fundadores foi testemunha - que o administrador-delegado da Casa da Música, Nuno Azevedo, e os seus colaboradores, não só deram continuidade à execução da programação prevista para o corrente ano de 2012, como iniciaram a preparação do Orçamento para 2013 e do Plano Estratégico para 2013-2015. Não é, portanto, admissível que apenas alguns meses mais tarde, já nos finais de novembro, a Casa da Música se veja privada dos meios financeiros que lhe tinham sido prometidos, por interposição de uma súbita decisão unilateral que imediatamente afeta a execução do orçamento do ano em curso e o orçamento de 2013, além de impedir a aprovação do Plano Estratégico para 2013-2015. Não fora a exemplar condição financeira da Fundação da Casa da Música que permitiu a mobilização dos fundos de reserva, autorizada pelo Conselho de Fundadores, e "a Casa" estaria já neste ano incapacitada de cumprir os seus compromissos com parceiros e colaboradores e de satisfazer as suas obrigações financeiras.
A Casa da Música - duradoura herança do "Porto Capital da Cultura" - é marco do reencontro da cidade com a sua vocação cosmopolita, porto de abrigo de artistas e criadores, um caso singular de sucesso internacional, um projeto público - "nosso". Depois de o novo secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, ter confirmado a existência das "promessas feitas anteriormente", e sendo certo que tais acordos e entendimentos não poderiam ser desconhecidas do primeiro-ministro, é a ele que cabe intervir, rapidamente, para reafirmar a vontade de respeitar a vinculação do Estado português ao compromisso fundacional indispensável ao êxito do projeto, mas também para nos assegurar que o Governo não degenerou, definitivamente, em mera "comissão liquidatária" da Cultura e da República.
Nota: Pedro Bacelar de Vasconcelos é membro do Conselho de Fundadores da Casa da Música, em representação do Estado