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O presidente Marcelo meteu-se ontem ao volante e decidiu ir sozinho ao teatro, para subir ao palco e representar, sem guião e de improviso, um dos papéis que lhe dão mais gozo, o de mediador.
Estava anunciado o encerramento do Teatro da Cornucópia, era a última sessão, com Luís Miguel Cintra, ator e fundador da companhia. Ao saber que Marcelo ia ao teatro e associar-se ao velório, o ministro da Cultura, que ia a caminho de Castelo Branco, voltou para trás.
A cena da conversa, contada pelo jornalista da agência Lusa, decorreu em pleno palco da Cornucópia, e não teve um desfecho claro. Mas terminou com o ministro Luís Castro Mendes a afirmar que "as conversações estão em curso, e continuam em curso". Ou seja, a Cornucópia pode chorar-se, mas ainda não foi ontem que morreu.
Quando o ministro chegou, já Marcelo falava com Luís Miguel Cintra, rodeados de jornalistas e com outros atores à sua volta. Com os diretores do teatro a reiterarem que não têm condições financeiras para continuar, e depois de o ministro ter justificado que está perante um cenário de encerramento comunicado pela companhia, o chefe do Estado arredondou a conversa, nestas palavras que são suas: "Até agora estávamos a falar na onda de fechar, a partir de agora passamos a falar na onda de não fechar. Vale a pena falar mais um bocadinho, para ver se é possível ou não um projeto que não seja o do encerramento".
"As conversações nunca foram encerradas, estão em curso, e continuam em curso", disse o ministro. "Foi boa ideia ter cancelado a ida a Castelo Branco, porque isto permite, nesta nesga de esperança, ter aqui a sua presença, que é importante", reconheceu o presidente da República. Luís Miguel Cintra agradeceu as presenças do chefe de Estado e do ministro e pediu-lhes que acreditassem que não está "a fazer chantagem de espécie nenhuma, como é costume fazer-se na política", mas simplesmente a constatar as condições reais para a companhia se manter. "E isto não é uma forma de pressão sobre o Ministério"...
Foram uns 20 minutos de conversa. E, antes de se levantar, Marcelo Rebelo de Sousa ainda observou: "Algum dia eu teria de cumprir o sonho de não estar sentado na cadeira e vir a discutir aqui para o palco, que é sempre o sonho de todos os espectadores". Não sabemos se a iniciativa mediadora do presidente chega para salvar a Cornucópia. Mas é visível que a boa onda de Marcelo faz dele um homem feliz. E, claramente, contagia os portugueses. Nisso, quando os atores têm qualidade, a política e o teatro coincidem. Oxalá que por longo tempo.
*DIRETOR