A China foi sempre um parceiro incomum na cena internacional. Por muito tempo, o maior país do mundo projetou uma imagem à qual vinham associadas algumas peculiaridades culturais que, manifestamente, se tornavam de difícil leitura na esfera ocidental.
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Os "sinólogos" prosperavam nessa exegese nunca unívoca, com o gigantismo do país e o desconhecimento das suas várias realidades internas a tornarem difícil uma qualquer previsão de atitudes do lado de Pequim. A China era um mistério mas, por muito tempo, não era vista como uma ameaça, não obstante a premonição atribuída a Napoleão: "quando a China acordar, o mundo tremerá".
Com escassas exceções na sua história contemporânea, a China não revelou um pendor de agressividade militar externa, muito embora a sua atitude perante a vizinhança geopolítica tenha sido sempre caracterizada por uma marca de inflexibilidade. Uma diferente gestão histórica do tempo, que não é um mito mas uma evidência, contribuiu para adensar o mistério sobre os desígnios estratégicos de Pequim, sendo visivelmente neste registo que se enquadra a sua relação com Taipé.
Os EUA tentaram cavalgar o conflito sino-soviético promovendo a cooptação de Pequim para a primeira linha da cena internacional. O "realismo" de Kissinger mudou a realidade internacional mas, curiosamente, acabada a Guerra Fria e consagrada a humilhação de Moscovo, não se viu a China, por quase três décadas, exagerar na afirmação do seu papel como ator político global.
O que se viu foi o seu interesse em explorar um intenso bilateralismo com determinadas áreas, mais visivelmente em África mas igualmente noutras zonas do mundo, como a Europa, tendo a economia como base determinante. O acesso da China à OMC, que hoje alguns se arrependem de ter facilitado, ajudou muito. O crescimento e o bem-estar tinham passado a estar no posto de comando de um modelo político que, bizarramente, combina o rigor centralista do socialismo com os genes do capitalismo. Uma fragilidade continua, no entanto, evidente: a demanda energética, que obriga a China a desenhar um padrão de relações externas muito heterogéneo.
A China é hoje um indiscutível gigante tecnológico, depois de anos de caricatura como produtor de quinquilharias baratas. É um poder adversarial - político, económico, militar? Para os EUA, isso é uma evidência. A Europa, neste domínio, vive ainda um momento esquizofrénico: olha com apetite aquele que é o seu principal mercado, mas começa a acordar para o desafio estratégico que vê chegar.
*EMBAIXADOR