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Nem sempre os países terminam nas fronteiras formais dadas pelos mapas. Para além de muitos metros quadrados de território físico, de um lado e do outro da fronteira, um limite ou uma divisão, há pessoas e famílias que nunca se sentiram de diferentes países.
O Norte de Portugal e a Galiza são assim. Partilham do mesmo território físico, social e histórico. Aliás, do ponto de vista urbanístico, o povoamento disperso e por vezes orgânico, ao longo das estradas nacionais, é exatamente idêntico nos dois lados. Porém, há características arquitetónicas que contrapõem esta tese: diferenciam pela força da patine e identidade que dão a determinados lugares, tornando-os únicos. É o caso da Corunha, para mim “cidade cristaleira”, pelas janelas brancas em madeira, com inúmeros vitrais, que embalam o edificado e a revestem de um manto de renda branca feita à mão, por uma fada mãe.
Ao fim do dia, nessas enormes fachadas, por muitos designadas de “edifícios de cristal”, vemos a projeção das onduladas rias com os seus barcos vermelhos da pesca costeira e aí, nesse ecrã gigante, interpretamos o pulsar da cidade viva, sobre o nosso olhar de espanto! Na realidade, essas fachadas são metade casa e metade rua, pela simbiose da cidade refletida nas infinitas janelas de cristal.
Este traço arquitetónico mostra que uma cidade não é um somatório de individualismos arquitetónicos. A arquitetura de uma cidade é o conjunto do edificado, a paisagem urbana, a imagem que fica retida na nossa memória quando nos distanciamos desse lugar. E, como diz José Saramago, “é preciso sair da ilha para ver a ilha”.