Corpo do artigo
Se é verdade que as nossas cidades não são muitas vezes bem, bem, cidades e as nossas serras já não são quase nunca só serras, a verdade é também que ainda é possível chegar a um consenso sobre quais as características predominantes. E isto, não parece, mas pode ser muito importante.Todos ouvimos falar (ou pelo menos aqueles que mais de perto lidam com os apoios comunitários) nas iniciativas Leader ou mesmo no Provere. Uma e outra procuram o desenvolvimento de espaços pouco povoados o que equivale a dizer, espaços rurais. A diferença entre ambas é essencialmente metodológica. Enquanto os Leader partem muito do trabalho de baixo para cima das Agências de Desenvolvimento Local assente em parcerias coletivas e singulares, públicas e privadas, os Provere são desenhados de cima para baixo com objetivos em áreas predeterminadas e formas de implementação e avaliação descritas nos textos/regulamentos dos PO Regionais.
Nada de errado até aqui. É discutível se esta distinção metodológica e operacional faz sentido, se os efeitos em termos de escala e concentração são os melhores mas, no limite, pode correr bem desde que haja, designadamente a partir das Comissões de Coordenação e do Ministério da Agricultura (ou seus órgãos desconcentrados), a preocupação de supervisão conjunta.
O problema está, como em quase tudo, na aplicação das políticas públicas em Portugal, na qualificação dos territórios e na respetiva gestão intersetorial.
Partir do caos administrativo instalado e falar de coordenação só mesmo os que cá vivem e que, apesar de tudo, não desistem de tentar ligar as pontas, uma e outra vez, sem mandato e com pouco poder.
Repare-se: as Comunidades Intermunicipais, que se pretende que venham a ter um papel importante na operacionalização dos fundos comunitários, organizam-se à escala NUTS 3 (ou múltiplos). No caso da Região Norte: Área Metropolitana do Porto, Alto Minho, Cávado, Ave, Alto Tâmega, Baixo Tâmega e Sousa, Terras de Trás-os-Montes e Douro. As subdelegações da Direção Regional da Agricultura (espera-se que também com algum papel neste tema do desenvolvimento rural) organizam-se, por sua vez, nas sub-regiões: Alto-Minho, Cávado-Vouga, Basto-Douro, Alto Trás-os-Montes, Douro e Nordeste Transmontano. Parecido?
Mas vamos mais fundo na questão. Perceberemos que, pelo menos no que diz respeito aos programas de proximidade (antes chamados Leader e agora chamados Estratégias de Desenvolvimento Local de Base Comunitária - DLBC), estes são sobretudo desenhados e depois geridos por Gabinetes de Ação Local constituídos pelas referidas Agências de Desenvolvimento Local (sob certificação do setor e das Comissões de Coordenação).
Mantém-se o busílis! É que estes programas de apoio e revitalização de territórios de baixa densidade só podem ser desenvolvidos em freguesias ou conjuntos de freguesias rurais. E estas são definidas em quadro publicado no jornal oficial, pelo Ministério da Agricultura.
Só que, para além de haver quadros publicados, uma e outra vez, como se as freguesias rurais sofressem de uma rara doença de dupla personalidade, os resultados que a cada momento se podem consultar são, no mínimo, intrigantes.
Então não é que concelhos como Santa Maria da Feira e Paços de Ferreira são (na versão atual da listagem) completamente urbanos! Como se em ambos os concelhos o bulício (relativo) da sede se espalhasse em mancha de óleo pelos vastos quilómetros de verde que as rodeiam.
O mesmo se diga por exemplo da Murtosa - de longe o concelho mais rural do distrito de Aveiro - todo ele urbano segundo os altos critérios da capital.
Mas o mais engraçado (ou não...) é mesmo a troca flagrante de classificações por vezes em freguesias vizinhas mas muito diferentes. É o caso de Vila Chã, sede de uma pujante instalação industrial (com fábricas das maiores da Europa) nos setores da metalomecânica, embalagens e madeira, que em Vale de Cambra é considerada rural e as vizinhas freguesias de Canedo Vale e Vila Maior (Santa Maria da Feira), por comparação muito mais rurais, classificadas como urbanas.
O Governo decidiu, e bem, avançar já com o processo de certificação das estratégias para a implementação das DLBC mas não há estratégia que resista a tamanha asneira.
É por isto, aliás, que não podemos estranhar o que ouvi há dias a um jornalista de uma das nossas televisões que dizia sobre um pequeno sismo que foi notícia, ter tido o mesmo lugar na freguesia de Escariz, Vale de Cambra, distrito do Porto. Que Escariz não seja o local do epicentro, não seja em Vale de Cambra e este concelho não pertença ao distrito do Porto mas sim ao distrito de Aveiro, isso agora não interessa nada!!!