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Quando entrei pelo portão bordado de heras de Tormes, há três dias, lá me transportei para o ambiente fresco das serras de Jacinto e do seu arroz de favas e para o imediato contraste com a civilização afrancesada que Eça magistralmente nos descreveu.
Ao tempo Eça, na verdade, falava-nos da cidade ou das serras. Agora, por estes dias em que visito e me hospedo nas terras do Vale do Sousa, vejo claramente como cada vez mais se trata de viver as cidades e as serras.
Todo o Vale do Sousa é território densamente povoado, um dos mais densos de todo o Norte de Portugal, ativo e produtivo, sede de uma antiga indústria da madeira e do mobiliário e nova sede de uma indústria do calçado modernizada e competitiva.
Mas é também um território ainda profundamente natural, verde e acidentado, polvilhado de casas históricas e monumentos da Fundação.
No extremo em que me encontro, encostado a Vizela, há termas a dois passos e bons hotéis de veraneio.
Este fenómeno do "rurbano" tem vindo a ser sistematicamente tratado como uma dificuldade no processo de desenvolvimento regional. Há instrumentos de política que se dirigem às cidades e inúmeras tentativas de facilitar o desenvolvimento do interior.
É mais fácil, ainda que em Portugal a maioria das cidades sejam na realidade pequenas vilas e o interior grandes porções de território pouco habitadas e sem qualquer vocação produtiva. Estamos e estaremos longe das smart cities e o interior rural e agrícola não voltará.
Mas menos ainda há pensado para estas ditas zonas de transição onde coexiste um povoamento denso e uma atividade económica significativa sem que o património natural ou património histórico edificado tenha desaparecido.
Olhando e palmilhando o terreno, visitando os monumentos e usufruindo a paisagem, experimentando a qualificada hospedagem que alguns dos antigos solares já proporcionam sem perder de vista fábricas e habitações, fica-me a ideia da necessidade de preparar medidas de política especificamente vocacionadas para este tipo de territórios.
Não chega insistir no ordenamento urbano, não chega investir na recuperação dos monumentos.
Há a necessidade de assumir esta nova tipologia "mista" , de estudar as suas virtualidades e de planear a sua correta coexistência.
Com a vantagem de podermos retirar lições para um mais proveitoso manuseio das políticas para as cidades e das ideias para mantermos as serras.
O próximo ciclo de programação financeira da União está em curso. Deixo a ideia.
* ANALISTA FINANCEIRA