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O conhecimento científico não é valorizado em Portugal. A escola não o cultiva, a família acantona-o em margens silenciosas, os média não o privilegiam e os próprios cientistas não sabem projetá-lo para fora do seu campo. Aqui está a base do desenvolvimento de uma sociedade que, entre nós, é permanentemente desprezada. É verdade que este Governo atribuiu à ciência um Ministério, a que juntou a tecnologia e o ensino superior num tríptico bem pensado, mas que precisa de maior centralidade.
Assinala-se hoje o Dia Nacional da Cultura Científica e a data passará algo despercebida em muitos pontos que fazem da ciência o seu trabalho diário. A primeira responsabilidade disso caberá aos cientistas e a quem os coordena. A maior parte daqueles que têm em mãos a política científica e se ocupam deste campo em laboratórios ou gabinetes veem na comunicação daquilo que fazem uma opção de que prescindem com facilidade. Porque ignoram os respetivos efeitos e esquecem que a prestação de contas à sociedade não é uma escolha, mas uma obrigação.
Comecemos pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, até há pouco liderado por António Cunha. A entidade representativa das universidades portuguesas mergulhou nestes últimos anos numa certa letargia, abanada quando se tratava de reclamar mais dinheiro da tutela. Tem sido confrangedor olhar para este órgão e sentir que daí não têm emergido orientações musculadas para posicionar a ciência, nomeadamente aquela que se desenvolve nas universidades, como uma prioridade nacional.
Também as universidades não demonstram assinaláveis preocupações com a comunicação da ciência. Todavia, aí está uma das suas missões estruturantes a partir da qual se constrói parte da sua reputação. Percorrendo os gabinetes de comunicação das várias academias ou dos diferentes centros de investigação, quantas pessoas demonstram aí agilidade no contacto com os jornalistas e domínio das redes sociais? Quem saberá construir planos de comunicação adaptados a cada situação? Poucas. Por isso, não é de espantar a pouca visibilidade que o conhecimento científico reúne no espaço público (mediatizado). Sublinhe-se que comunicar a ciência que se faz em Portugal não significa disparar continuamente comunicados para as redações ou para contas de correio interno, nem tão-pouco saturar o Twitter ou o Facebook de textos e imagens que interessam a poucos. A comunicação da ciência exige uma estratégia de fundo e, depois, uma concretização bem articulada com cientistas que têm algo relevante a dizer.
Pensemos que se consegue sensibilizar quem coordena a ciência em Portugal para a importância da comunicação e que se torna possível abrir canais através dos quais passa a informação que convém difundir. Não chega. É preciso dotar os cientistas de competências comunicativas para dar a conhecer com eficácia o que fazem. Eis aqui uma colossal dificuldade, avolumada quando se trata de colocar um especialista em diálogo com um jornalista. Um enreda-se em linguagem encriptada, outro procura simplificar tudo o que ouve; um parece ter todo o tempo para fornecer explicações adicionais, outro vive pendurado numa espécie de cronomentalidade que lhe subtrai tempo para conversar devagar; um perde-se em pormenores, outro persegue generalizações; um escreve artigos para revistas que fecham dali a algumas semanas ou meses; outro escreve artigos com deadlines diárias cada vez mais apertadas. Cada um deles pertence a mundos opostos. Por isso, não é fácil dialogarem, mas é possível aprenderem a conversar melhor. Para que tal aconteça, o cientista deve dominar algumas técnicas de comunicação e o jornalista tem de conhecer melhor o campo da ciência que relata em discurso noticioso. E é preciso estreitar canais para que tudo seja mais fluido.
Hoje, o Cintesis - Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde da Universidade do Porto junta políticos, cientistas e jornalistas para discutirem "Ciência, Saúde e Comunicação". Eis aqui um exemplo de um debate, no qual também participo, que procura melhores práticas de comunicação. Oxalá tenha réplicas noutros lugares.
PROF. ASSOCIADA COM AGREGAÇÃO DA UMINHO