A ciência no Orçamento de 2024: uma oportunidade perdida?
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O Orçamento do Estado de 2024 prevê um excedente orçamental e parece ter três orientações principais: redução da dívida, redução dos impostos e distribuição de subsídios ou de benefícios fiscais, designadamente dirigidos aos jovens. A pergunta que fica é: onde está o investimento, para além do PRR?
A questão é particularmente pertinente perante a preocupação que o Governo tem com o futuro dos jovens em Portugal, com as suas condições de vida e as oportunidades profissionais que lhes são oferecidas. Contudo, tal preocupação não é acompanhada de programas de investimento público para garantir a criação e melhoria dessas condições e oportunidades. Ora, estou convencida de que, para melhorar o futuro dos jovens em Portugal, é necessário investir no fortalecimento e desenvolvimento de instituições públicas e privadas, de carreiras e empregos compatíveis com os seus níveis de qualificação.
O investimento em ciência é, a vários títulos, exemplar. Em 1991, José Mariano Gago publicou um pequeno livro - Manifesto para a Ciência em Portugal -, cujo objetivo foi defender a necessidade de aumentar o investimento em ciência, demonstrando que sem esse investimento o desenvolvimento do país, da economia e da sociedade estariam comprometidos. A ciência passou a ser um desígnio. Orgulhamo-nos, hoje, dos impactos da ciência na modernização do país e da economia, resultantes das políticas que promoveram o aumento continuado do investimento público nesta área.
Porém, a partir de 2011, iniciou-se um período de regressão do investimento público em ciência, que perdura, tendo-se atingido hoje níveis dramáticos, por ironia, iguais, em termos relativos, aos de 1991. A sustentabilidade e o futuro do sistema científico e a carreira dos investigadores estão, por isso, de novo ameaçados.
Em 30 anos, criámos centenas de unidades de investigação, formámos milhares de investigadores, alcançámos níveis internacionais de produção científica. Porém, hoje, parece não se saber o que fazer com este património, não se reconhecendo o seu valor, não se demonstrando consciência da necessidade de não só proteger a herança que legaremos às novas gerações, como do dever de prosseguir o caminho iniciado em 1995.
O Orçamento de 2024 podia ser uma oportunidade para renovar o compromisso com a ciência, iniciando a inversão do decréscimo do investimento, criando condições de estabilidade para as instituições e para os investigadores, dando aos jovens uma perspetiva de futuro com oportunidades sólidas e compagináveis com a formação que lhes proporcionámos.
Infelizmente, não temos até agora notícia de que tal possa acontecer.