<p>A comissão parlamentar de inquérito sobre a suposta intervenção do Governo no negócio da compra da TVI pela Portugal Telecom começou ontem os trabalhos, liderados pelo insuspeito Mota Amaral. O ex-ministro das Obras Públicas, Mário Lino, foi a primeira das 21 pessoas arroladas para audição. Vinte e uma pessoas dará pano para mangas. Supõe-se, portanto, que a "festa" seja longa...</p>
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Em bom rigor, a "festa" já começou. O PS propôs, logo a abrir, um incidente de suspeição sobre o relator da comissão, o deputado do Bloco de Esquerda João Semedo. Argumento: Semedo afirmou publicamente - "a intervenção [do Governo no negócio] existiu e toda a gente sabia" (sic). Ora, os socialistas entendem que a posição do bloquista mostra que "o proposto relator desta comissão tem a convicção firme de quais são as conclusões", o que "põe em causa a sua isenção".
João Semedo respondeu, dizendo que a questão levantada pelo PS é "um não problema" e que, "no relatório [final], obviamente não serão as minhas convicções a determinar" as conclusões.
Trata-se de um "fait-divers"? Apenas na aparência, porque na essência o facto é de relevo. Não se trata aqui de pôr em causa as capacidades e as qualidades de João Semedo. Trata-se apenas de perceber que, num caso deste melindre político, sobre a comissão de inquérito não pode recair qualquer dúvida. Em boa verdade, o triste lastro das comissões de inquérito que ao longo dos anos têm tratado de matérias delicadas obriga a que esta, especialmente esta, seja imaculada. O que ali se joga é demasiado sério para que qualquer falha a possa manchar sem retorno.
Ora, estas condições são, a meu ver, incompatíveis com a existência de um relator que, por muito jura que faça quanto à sua imparcialidade na apreciação dos factos, carrega consigo um óbice inultrapassável: se as conclusões forem negativas para o Governo, será sempre acusado de ter partido para a discussão com uma convicção prévia já formada; se as conclusões ilibarem o Governo, será acusado, pelo resto da Oposição (e pelo seu próprio partido, com certeza), de ter feito mal o trabalho. É como se Pacheco Pereira fosse escolhido para relator: bastaria ler os seus escritos sobre o tema para percebermos o ponto de chegada. Melhor: o relatório podia mesmo ser constituído a partir dos textos do deputado social-democrata, tão elucidativos eles são...
Como sair daqui? Escolhendo um relator cuja idoneidade esteja acima de toda a suspeita. Mota Amaral, por exemplo. Assim, esta comissão de inquérito está (quase) ferida de morte, acrescentando o que não deveria acrescentar: a sensação de que, na verdade, as comissões de inquérito de pouco servem.