É difícil imaginar a pressão que se sente quando uma fração de segundo muda tudo. Ou quando um gesto mínimo pode fazer ruir o sonho de atingir a perfeição.
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Em Tóquio, ouvimos muitos atletas falarem dos seus demónios e fantasmas. Nenhum nos abriu a mente e o coração como o fez Simone Biles. Houve vida e competição para além dela, claro. Houve a medalha de bronze a valer mais que tantas de ouro. Mas houve, sobretudo, um grito de alerta que colocou a saúde mental acima de qualquer pódio.
Competimos desde que existimos, competimos até para existirmos, num interminável processo de seleção e de construção humana. Competimos por classificações, por um lugar na universidade, por uma carreira, pela atenção dos outros, competimos por todas as razões, nem sempre boas. E é fácil perdermos a noção do que genuinamente interessa quando passamos boa parte da vida a correr obcecados por uma meta.
Na forma como desassombradamente assumiu que a certa altura já duvidava ser mais do que as proezas na ginástica, Simone Biles mostrou como a excelência pode fazer-nos esquecer o que realmente somos. Os holofotes e as sombras andam demasiadas vezes de mãos dadas.
Estamos cansados de ouvir falar dos efeitos da pandemia e do rasto ainda incerto que ela deixará atrás de si. Mas, por mais que se repita, somos incapazes de conhecer o tamanho da solidão e do sofrimento de milhares ou milhões de pessoas. E é por isso que o estrondo de Simone Biles é ainda mais oportuno. Mesmo motivações e percursos aparentemente sem qualquer relação com os da atleta terão conseguido identificar-se com o seu discurso.
É fácil a incerteza, a crise económica, a desigualdade social posta a nu no acesso à vacinação criarem condições para novas tensões sociais e políticas. O Mundo precisa de conserto e a pandemia não nos trouxe mais humanidade. Mas no meio de tanta agitação, procurar o apaziguamento é um ato de coragem. Se conseguirmos não nos deixar dominar pelo azedume, metade do caminho estará feito.
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