Raras vezes uma política, por melhor que ela seja, resiste a uma mudança de Governo. Aprendi esta lição com o José Mariano Gago mesmo antes de sair do Governo, em 2011. Lembro-me de ele me dizer que a Direita em Portugal tem muito pouco respeito pela herança que recebe de governos de Esquerda e arrasa tudo sem dó.
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Contou-me isto a propósito do Simplex, avisando-me que não tivesse ilusões. Nem a avaliação positiva da OCDE ou o facto de constar no programa da troika o iriam salvar. Infelizmente, acertou em cheio. Não houve desenvolvimento do Simplex no Governo de Passos Coelho, nem sequer o das autarquias, onde havia municípios de todas as cores políticas.
Acontece que não tem de ser assim. Em 2015, por exemplo, decidimos executar o programa de inovação social, uma ideia do Governo anterior que, por estar numa fase inicial, teria até sido fácil ignorar. Não tenho dúvidas, que valeu a pena dar-lhe continuidade.
É natural que uma nova maioria política imprima o seu rumo, a sua marca e execute o seu programa, que, naturalmente, será diferente da maioria que a antecedeu. Mas isso não tem de acontecer em todas as áreas e políticas. Há aquelas onde as diferenças não são relevantes e onde a troca de protagonistas não devia significar arrasar programas e iniciativas em curso.
Neste momento, por exemplo, são várias as políticas que não podem ser interrompidas. Para além do PRR, cito apenas algumas que conheço melhor, e de certeza, peco por defeito. O investimento nas competências digitais é uma delas. É ele que nos assegurará um lugar ao sol na economia do futuro; é esse lugar que nos garantirá ter emprego de qualidade e mais bem remunerado em Portugal; e é esse emprego que pode contribuir para subir os salários médios, reter e atrair jovens para o nosso mercado de trabalho, com impacto positivo na demografia. Podia ainda dizer o mesmo de todo o esforço de valorização do trabalho que tem sido feito desde 2016, da política de conciliação entre a vida pessoal e profissional, do investimento na ciência e ensino superior, da política energética mais verde ou da descentralização territorial.
Contudo, não é apenas cada um destes exemplos que me preocupa. É, sobretudo, o que referi inicialmente: a atitude típica da Direita de ignorar, passar por cima e começar de novo em folha em branco. Sei o que custou recomeçar o Simplex, em 2015, e não desejo que o mesmo nos aconteça uma vez mais.
*Eurodeputada do PS