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Nos primeiros dias deste mês de janeiro, um homem assassinou a mulher à frente dos filhos menores do casal. Entre 2021 e 2023, a APAV tomou conhecimento de cerca de 65 mil crimes de violência doméstica e registou 56 feminicídios praticados nos anos de 2023 e 2024. O MP, no relatório anual de 2023, registou a entrada de cerca de 36 mil inquéritos por violência conjugal ou equiparada, sendo a mulher, na maioria esmagadora dos casos, a vítima. A violência doméstica constitui um drama nacional, um perigo para a segurança e paz social. A violência contra as mulheres e crianças é uma manifestação das relações de poder histórica e legalmente atribuídas ao homem sobre a mulher, dominada e discriminada, privando-a do seu desenvolvimento, liberdade e afirmação profissional e familiar. É uma chaga que atinge todas as classes sociais e que urge, se não expurgá-la, pelo menos reconduzi-la a números irrelevantes. Cientes deste drama, que não conhece fronteiras, estados membros do Conselho da Europa assinaram, em Istambul, a convenção para a prevenção e combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica. No seu preâmbulo, releva-se a condenação de todas as formas de violência contra as mulheres e a violência doméstica, reconhece-se que a realização jure e de facto da igualdade entre mulheres e homens é um elemento-chave na prevenção deste tipo de violência; que a violência contra as mulheres é uma manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre género feminino e masculino; que aquelas estão expostas a um maior risco de violência baseada no género; que a violência doméstica afecta desproporcionalmente as mulheres e que as crianças são vítimas directas ou indirectas da violência perpetrada no seio familiar. Em síntese, os estados membros do referido Conselho, com o objectivo de criar uma Europa mais justa e igual, arquitectaram um diploma capaz de proteger as mulheres, raparigas e crianças contra todas as formas de discriminação; prevenir, processar criminalmente e eliminar este tipo de violência e promover a igualdade de género, incluindo o empoderamento das mulheres. Recuperando as estatísticas referenciadas e reflectindo sobre as notícias que nos chegam de outros estados europeus, nomeadamente de Espanha, que espelham um crescendo descontrolado deste tipo de criminalidade, teremos de concluir que as aspirações contidas na convenção falharam? O que não funciona na aplicação dos seus comandos legais? A prevenção, creio. Que deve começar nos bancos da escola e prosseguir pela vida fora. Ensinar e defender os conceitos de igualdade de género, de não discriminação, de liberdade, o respeito e a aceitação da diferença é um instrumento necessário à visão humanista do Mundo. É fundamental e urgente levar o conhecimento dos direitos humanos a estes que representam o futuro. É para esta prevenção que se convoca toda uma sociedade democrática que procura a paz, a liberdade e a segurança.
*A autora escreve segundo a antiga ortografia