"Lá vem a conversa do costume!". Não por palavras, trata-se de uma pessoa educada, mas pelo olhar, entre o enfadado e o condescendente, percebeu-se ser essa a reacção perante a pergunta sobre quando vinha "cá para cima". Contextualizemos. Trata-se do responsável por uma equipa que gere fundos europeus. Nunca houve uma razão irrefutável para que aquele serviço ficasse em Lisboa, excepto que sempre assim fora. Hoje, com a não elegibilidade da região de Lisboa e Vale do Tejo para o tipo de fundos em questão, só mesmo essa inércia, fundada na tradição, pode justificar a continuidade da localização. Chatinho - a conversa é mesmo a do costume! - insistiu, invocando o facto de apenas o Norte, Centro e Alentejo serem destinatários dos apoios em causa. À guisa de réplica, já incomodada e pouco convincente, foi sugerido ser a maneira de manter a equidistância um argumento a que contrapôs nunca ter estado em causa a independência da equipa e que, se era uma forma de minimizar deslocações dos potenciais candidatos, algures no Centro do país estaria melhor, dado que a grande maioria dos projectos emanariam do Norte e Centro.
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Por essa altura, a conversa tinha azedado e as verdadeiras razões, no geral inconscientes e não intencionais, começaram a vir ao de cima. Porquê a obsessão em "tirar" as coisas de Lisboa? Como se fosse um Benfica-Porto! A tentativa, típica, de desvalorizar a questão. Ainda assim, o contra-argumento não é difícil: trata-se de emprego qualificado que, numa localidade (mais) pequena, terá impacto. "Não chegam a 100", contestou. Em certos meios, 100 são uma multidão. E não são só 100. Se a mudança for permanente, são também as famílias. E é emprego qualificado que, além disso, tem capacidade de comandar todo um conjunto de subcontratações, de outros serviços e produtos que alimentam uma outra economia. Nessa altura, já na defensiva, insiste no argumento de estarmos a falar de poucos milhões que não fariam a diferença. Talvez não fizessem a diferença mas, repete-se, em certas envolventes fariam diferença. Se há vontade, e se reconhece mérito, a um modelo de desenvolvimento mais equilibrado, por algum lado se há-de começar. Uma política de pequenos passos, integrada e pensada, é mais realista e profícua do que a presunção de mudar tudo, radicalmente, de um dia para o outro.
À míngua de mais argumentos, vem o remoque final: e destrói-se uma equipa que levou anos a construir, abdica-se da sua competência? A conversa manteve-se, sempre, num plano próprio de pessoas que se conhecem há muitos anos e que têm respeito mútuo. Não fora assim e poder-se-ia questionar se foi essa competência que nos trouxe até aqui, se a gestão dos fundos teria sido assim tão eficiente e eficaz. A resposta óbvia, numa conversa civilizada, é reiterar que tal nunca estivera em causa: sugeria-se, apenas, que poderia haver vantagens em a equipa ficar sediada algures fora da capital, por exemplo, em Évora, Coimbra, Aveiro ou Guimarães. Não, não era para vir para o Porto. Perante o abanar de cabeça, de descrença, restava perguntar se tinha ideia de quantas pessoas desses pontos do país, incluindo neste caso o Porto, se deslocaram definitivamente, com a família, ou viajam, semanalmente, para Lisboa. Uma ida a Santa Apolónia, numa sexta-feira ao fim da tarde, ajudaria a entender melhor a dimensão da questão, se os engarrafamentos nas auto-estradas à saída de Lisboa não bastassem. "É uma questão de simetria. Ou acham-se superiores aos outros?", rematou. A conversa ficou por ali. A conversa do costume, de parte a parte. Ficcionada, mas com base em situações reais, ou melhor, tão reais quanto possível já que não é fácil, para não dizer impossível, obter informação sobre todo o conjunto de transacções que alguns destas equipas e agências comandam, por concurso ou ajuste directo, alimentando redes clientelares que atravessam o espectro partidário. A desconcentração, ordenada e não à toa, poderia minorar desequilíbrios, incluindo o da polarização excessiva que penaliza Lisboa e a vida dos que lá vivem. E isso já não é a conversa do costume.