A coragem de reconhecer o Estado da Palestina
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Atualmente, 147 dos 193 estados-membros da ONU reconhecem formalmente o Estado da Palestina como entidade soberana, um número que ganhou mais expressão desde o início da guerra entre Israel e o Hamas em 2023. Para a Assembleia Geral das Nações Unidas de setembro, anuncia-se o reconhecimento de mais países: França, Reino Unido, Canadá, Portugal... Donald Trump já reagiu ameaçando o Canadá com uma guerra comercial, misturando lógicas económicas com preocupações humanitárias. Nos média, há alguma precaução nestes avanços diplomáticos.
Quando ontem comecei a seguir a entrevista que o ministro dos Negócios Estrangeiros português dava ao Jornal da Tarde (RTP1) em que falava da importância de Portugal concertar posições com outros países no que a este processo diz respeito, estava a terminar de ler um interessante artigo no site The Economist. Com o paradoxal título "ao reconhecer o Estado da Palestina, Reino Unido e França não promoverão a paz", a publicação britânica garantia que a estratégia até pode ser bem-intencionada, mas é contraproducente. E explicava as razões: porque Israel não vai ceder, antes pode radicalizar ainda mais os seus ataques; porque pode incentivar o Hamas a prolongar a guerra; e porque deixa de lado o principal ator político capaz de pressionar Israel a aceitar um cessar-fogo: os EUA. Assim, conclui-se que "a política fracassa nos seus próprios termos", na medida em que "nem pressiona eficazmente Israel, nem cria incentivos para o fim da guerra".
Não será essa a convicção de Portugal. Ontem, em comunicado, o Governo considerava estarem reunidas condições para o nosso país reconhecer o Estado da Palestina na 80.ª assembleia geral da ONU. Esta nossa vontade não merecerá certamente uma palavra de desprezo de Trump como a que expressou aos jornalistas acerca de idêntica decisão de Macron, nem um post na rede social Truth a anunciar uma guerra comercial como aquele que dirigiu ao Canadá. No entanto, haverá certamente efeitos e Paulo Rangel está bem consciente disso. Não por acaso, na mesma entrevista, teve o cuidado de lembrar que os EUA são um país amigo...
Percebendo os argumentos avançados no site The Economist, não os partilho. Julgo que reconhecer o Estado da Palestina, ainda que não resolva por si o conflito, é um passo fundamental para restituir dignidade política a um povo sem soberania e constitui igualmente um sinal inequívoco de que não estamos reféns de uma paralisia diplomática ou de uma inadmissível chantagem política. Ao juntar-se aos países que defendem dois estados, Portugal afirma o seu compromisso com o direito internacional e com a paz. Em setembro, da assembleia geral da ONU poderá sair, assim, uma mensagem importante: a de que o futuro não se constrói com bombas, mas com coragem política.