Na procura da reversão de uma doença crónica parece que o caminho se precipita e procura alcançar uma miragem, um oásis longínquo, como se o desejo de vida não estivesse ao alcance da vontade e da luta, da confiança e da coragem. Uma vez instalada, a doença não é fatal como o desejo.
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A capacidade de superação dos doentes tantas vezes embate na falta de resposta do organismo aos tratamentos e terapias ditas como seguras e testadas, quimicamente tradicionais, que os impropérios à ciência-pântano-que-não-avança acabam por se transformar num lugar-comum pelas vozes do senso. Enquanto o grau de toxicidade do tratamento paira sempre como um mal menor, invasivo mas encarado como o preço a pagar, o verdadeiro confronto acontece pela negação objectiva da reversão da doença, pela não remissão e pelas hipóteses de recidiva. O tratamento não resulta. Ou não resulta como deveria. Ou é a doença que volta. Ou como se adia uma escolha.
A terra dos sonhos não é uma miragem de vida mas será inalcançável se for encarada enquanto se dorme. O IPO (Instituto Português de Oncologia) do Porto trabalha reforçada e formalmente, há quase uma década, no desenvolvimento de ensaios clínicos através da criação da Unidade de Investigação Clínica coordenada pelo dr. José Diniz. Para o IPO, o maior centro português de tratamento do cancro, os ensaios clínicos são uma realidade e uma estrada para o progresso da ciência centrada no doente, um caminho seguro e medicamente assistido para ir ao encontro da proximidade da solução. Não só para um desfecho imediato para o doente que aceita ser parte de um ensaio mas também para um desfecho de futuro (que se quer próximo) para os amanhãs que cantam em futuros doentes. Sem ensaios clínicos consequentes, consentidos, seguros, testados, monitorizados (e autorizados previamente pelo Infarmed), as doenças do foro oncológico seriam um depósito de conhecimento pelo passado das maleitas e não pela procura da antecipação. Sem eles, mais décadas de perda de tempo. Os ensaios clínicos são, obviamente, uma terra não queimada mas íngreme, a germinar na coragem e pela esperança daqueles que ousam.
A doença, como o Mundo, é feita de mudança. Os quase 300 doentes que, no ano passado, participaram em ensaios clínicos no IPO são parte do universo estimado de 10 600 pessoas que aceitaram ser parte integrante destes estudos desde 2005. O preconceito que sempre surge acerca destes ensaios encontra uma realidade claramente associada: os novos fármacos, ainda que seguros e aprovados, são testados em pessoas reais, carne e osso e aspirações. E em pessoas que, pelo jugo da possibilidade do fim, podem agarrar o seu consentimento informado como um pedaço de lixo. Atirando-o para lá, não querendo saber. E claro, a promoção e desenvolvimento a cargo da indústria farmacêutica, esse universo de virtude e de nébula. Mas os milhares de doentes que se agarram aos ensaios clínicos como uma espécie de tábua de salvação, não adquirem o estatuto de cobaias pelo desespero. A esperança, ainda que moldada nos requintes de malvadez da vida, não deixa de ser o destino que se agarra nas mãos, olhando a meios para atingir os fins. Em última análise, depende sempre das pessoas. De quem padece e de quem trata. De quem confia e de quem utiliza. E os resultados dão a mão a quem não se limita a esperar por um desenlace. Os benefícios são, em muitos casos, evidentes. Basta olhar as pessoas que passam e que trabalham no IPO do Porto para perceber que é assim.
Orecrutamento de doentes para os ensaios clínicos não é um serviço médico obrigatório. Longe da requisição civil mas também, impõe-se, da objecção de consciência. A guerra é contra a doença, pela possibilidade de pacientes terem acesso a medicamentos que poderão ser o futuro de outros e, em particular, que permitirão realizar, pelo avanço do conhecimento e da fortuna, o seu próprio presente. O estigma não pode ser outro senão o da coragem, própria e terminal que seja. Aquela que, para quem espreita pela janela de fora, se vê como sendo a coragem dos outros. Poucas coisas nos reconciliam mais com a vida do que ver gente que luta no vértice e segue em frente. Olhemos para eles.
MÚSICO E ADVOGADO