Corpo do artigo
Poucos dias antes de ser escolhido pelos seus pares para suceder ao carismático João Paulo II, Joseph Ratzinger, um dos teólogos mais respeitados de todo o mundo, disse numa entrevista a uma estação televisiva italiana que a juventude não é uma questão de idade. Tinha razão - e há disso exemplos vários de importantes personalidades e de comuns cidadãos.
A verdade é que foi a idade - ou melhor: a falta de juventude - que levou Bento XVI a anunciar ontem, perante o espanto do Mundo, que resignará, abandonando a chefia da Igreja já no final do mês. Trata-se de uma atitude carregada de dignidade e coragem, quase sem precedentes na história da Igreja (o último caso de resignação remonta ao século XV).
"Estou certo de que as (suas) forças, devido à idade avançada, não são mais capazes de exercer de forma adequada o ministério de Papa e bispo de Roma", esclareceu Bento XVI. O homem que só queria estudar assumira, há cinco anos, o cargo com o qual sonhava, de acordo com muitos, ou o cargo com o qual nunca sonhara, de acordo com outros tantos. Ele próprio dizia que caía a guilhotina na cabeça de um cardeal quando era eleito Papa.
A tarefa de Bento X VI não era fácil: sucedia a um dos papas mais amados da história, João Paulo II. Ora, Ratzinger estava, de algum modo nos antípodas de Karol Wojtyla: o Papa polaco facilitava o consenso, o cardeal alemão incentivava a polémica, pelas posições dogmáticas que assumia. Foi, aliás, nesse sentido que se pronunciou no início do conclave que o elegeria Papa.
"Possuir uma fé clara, seguir os ensinamentos da Igreja, é classificado com frequência como fundamentalismo", disse aos 115 cardeais eleitores. "Em contrapartida, o relativismo, isto é, o deixar-se levar 'para aqui ou para ali por qualquer vento ou doutrina' parece a única atitude aceitável nos tempos que correm. Toma corpo uma ditadura do relativismo que não reconhece nada como definitivo e que deixa tudo ao critério do próprio ego e dos seus desejos".
Agora que parte para retomar o estudo da fé até que as forças e a lucidez lho permitam, Bento XVI não leva, seguramente, a alma menos estremunhada. Porque é claro que o relativismo, tal e qual ele o definiu, continua a ganhar caminho, distanciando-se cada vez mais da "fé clara" que Ratzinger defende como contraponto ao mundo carregado de presentismo e de hedonismo que marca as sociedade desenvolvidas de hoje.
O olhar cansado e pesado revelado à saciedade pelas fotografias de Bento XVI ontem espalhadas pelos meios de comunicação social de todo o mundo são, em certo sentido, uma metáfora do seu pontificado: o Papa abandona a chefia da Igreja esgotado, sem que a batalha dos valores esteja ganha. Longe disso.